2006/10/17

Kate DiCamillo: "A Lenda de Despereaux"

Aqui continua o texto de Carla Maia de Almeida:"[...] Durante anos, Kate DiCamillo disse a toda a gente que ia ser escritora. Durante anos, fez tudo o que podia para sobreviver, incluindo trabalhar num parque residencial de caravanas e vender cachorros-quentes. Tudo, menos escrever. O mais próximo que conseguiu foi um emprego na secção de literatura infantil de uma loja de livros em segunda mão. As razões do embargo criativo, velhas como a humanidade, resumiu-as à NM em poucas palavras: «Preguiça, medo, mais medo, mais preguiça. Triste, hã?».

Chega-se a um ponto em que a melhor maneira de transformar as coisas é torná-las insuportáveis, atirá-las para uma situação-limite onde a única fuga possível é para a frente. Pouco antes de fazer 30 anos, entre a incomodidade e a obsessão – e muitas leituras acumuladas desde o curso de inglês que concluíra na Universidade da Florida –, Kate DiCamillo começou finalmente a tentar escrever. Primeiro, histórias curtas, que enviava para as editoras e revistas, recebendo em troca respostas invariáveis com que inaugurou uma magnífica colecção de rejeições. Depois, com a ajuda de uma bolsa literária, uma dessas histórias cresceu para algo maior: Por Causa de Winn-Dixie, chamou-lhe.
Por Causa de Winn-Dixie, o livro, a vida começou a parecer-se com o que ela tinha imaginado. Um rafeiro com nome de supermercado (Winn-Dixie é uma cadeia de lojas muito popular no sul dos Estados Unidos) tornou-se protagonista de um conto que quis ser, segundo a autora, «um hino aos cães, à amizade e ao Sul». Mas podíamos acrescentar: aos livros, às mães e às pessoas autênticas que verdadeiramente nos inspiram. Publicado em 2000, pela Candlewick Press, ganhou mais de 40 prémios na área da literatura infanto-juvenil, atribuídos em dezenas de estados, desde a Califórnia a Nova Iorque. O reconhecimento estendeu-se aos tops de vendas e cruzou o Atlântico, provando que Kate DiCamillo não era só uma escritora do Sul dos Estados Unidos.
Gótico Americano
E, no entanto, ela é mesmo uma escritora do Sul dos Estados Unidos. Nascida em Filadélfia, em 1964, aos cinco anos mudou-se para a Florida, onde cresceu, estudou e descobriu a sua «família literária». Por Causa de Winn-Dixie, a que se seguiu A Libertação do Tigre, publicado em 2001, são livros por onde passa a sombra do Southern Gothic, estilo impulsionado por toda uma fina linhagem de escritores do Sul (grande parte deles, mulheres), sob a presença tutelar de William Faulkner: Carson McCullers, Eudora Welty, Tennessee Williams, Harper Lee, Flannery O’Connor, Truman Capote, só para citar alguns. Se o contexto é regional – pequenas comunidades assoladas pelo abandono, famílias em serena desagregação, as ruínas de um passado orgulhoso perdido na guerra civil… –, as questões em causa são da maior amplitude moral. O que ficou nos livros de Kate DiCamillo, retirado o excesso de violência e grotesco dessa herança literária, foi um certo imaginário do desconforto; mas um desconforto em busca da sua cura e redenção, capaz de resistir a forças adversas e, ainda assim, manter a sua integridade singular. Na linguagem da psicologia, dir-se-á, talvez, resiliência.
Na literatura para crianças e jovens há uma longa tradição de heróis resilientes, desde Oliver Twist e outras torturadas personagens dickensianas à extraordinária Matilde, da obra homónima de Roald Dahl. Em Por Causa de Winn-Dixie, a heroína é India Opal Buloni, uma menina de dez anos que vive com o pai, pregador religioso, numa velha trailer home – esse tipo de caravanas que representam a residência fixa de milhões de norte-americanos das classes desfavorecidas. India não tem mãe; ou é como se não tivesse, uma vez que esta abandonou a família quando India era ainda muito pequena. O tema das mães «desaparecidas» continua no livro seguinte, A Libertação do Tigre, onde um rapaz de 12 anos, Rob Horton, se confronta com a necessidade de enfrentar as emoções provocadas pela morte prematura da mãe, um recalcamento espelhado na alegoria do tigre enjaulado.
Se Kate DiCamillo já esclareceu em entrevistas que a mãe está viva e de boa saúde, também não faz segredo sobre o facto de o pai ter saído de casa quando ela tinha cinco anos, acontecimento que lhe marcou a história familiar e, é fácil de ver, a escrita. Não se pode dizer que as maiores figuras de referência saiam muito bem tratadas nos seus livros: se as mães desapareceram, por um motivo ou outro, os pais são emocionalmente limitados, absorvidos pelas suas ocupações ou pela luta diária da sobrevivência. Ainda assim, ela evita juízos fáceis, mostrando que as pessoas nunca são uma só coisa e temperando a complexidade dos sentimentos com humor e ternura.
Uma galeria de excêntricos
O contraponto afectivo a esta realidade pouco promissora é dado não só pelos animais, como por outras personagens capazes de criar laços genuínos de amizade – também elas assombradas pelos fantasmas da solidão. Em Por Causa de Winn-Dixie, temos Miss Franny Block, a velha senhora «casada» com a sua biblioteca; Gloria Dump, uma negra quase cega com um passado pouco ortodoxo; e Otis, que trabalha numa loja de animais e prefere a música às palavras. Em A Libertação do Tigre, há Willie May, cujas feições lembram a actriz Halle Berry, mas que limpa quartos no motel Estrela do Kentucky; e há, sobretudo, Sistina Bailey, uma menina esperta e orgulhosa do seu nome, revoltada por ter mudado de casa (“Esta é uma cidade parola e estúpida, com professores parolos e estúpidos. Ninguém nesta escola toda sequer sabe o que é a Capela Sistina.»), e que também vive com os seus «tigres» por libertar.
O que tem em comum esta irmandade de excêntricos e inadaptados, tão bem decalcada do imaginário do Sul profundo? Entregues a si próprios, carregam o peso das memórias vividas e o esquecimento da América super-desenvolvida; pertencem à estirpe dos sobreviventes, não dos vencedores predestinados. Acima de tudo, contam consigo mesmos para se salvarem. Lembram-se do que aconteceu em Nova Orleães? Foi mais ou menos assim.
E quanto à Lenda de Despereaux, «a história de um rato, uma princesa, uma colher de sopa e um carrinho de linhas»? Publicado nos Estados Unidos em 2003, vendeu um milhão de exemplares e recebeu o prestigiado prémio Newberry para o melhor livro infanto-juvenil de 2004, tornando-se rapidamente um «favorito» de escolas e bibliotecas graças ao seu potencial narrativo e simbólico. Para quem leu os dois títulos anteriores, a primeira reacção pode ser de estranheza. Desta vez, os cenários mudaram: não há parques de caravanas, motéis e cafetarias, bosques e estradas secundárias, mas sim um tempo e espaço localizados na pura fantasia, de cujo interior Kate DiCamillo fez nascer uma sofisticada intriga. O universo animista da autora expandiu-se e colocou um rato no lugar de protagonista – mas o seu nome, Despereaux, é já um sinal inequívoco de que também ele pertence à raça dos sobreviventes.
Primeiro, Despereaux enfrentará a traição da família dos ratos; depois, as terríveis ratazanas dos subterrâneos do castelo. Pelo meio, encontrará uma princesa chamada Ervilha, uma criadita que quer ser princesa e um rei que governa o reino com soberana e majestática apatia. E ainda uma ratazana com nome renascentista, tocada pela visão da luz e pela ideia do sublime, que é o exemplo dessas personagens «más» de quem só apetece gostar. E mais não se pode dizer, a bem da surpresa do leitor. Despereaux, o último (e o único) da ninhada, vai ter de provar que merece ter ficado para contar a história.

(caixa:)
DEZ PERGUNTAS A KATE DICAMILLO

Entre as muitas que gostaríamos de fazer. A escritora respondeu à Notícias Magazine por email.
Como foi crescer no Sul dos Estados Unidos?
Foi delicioso, porque o Sul é um lugar onde contar histórias tem um significado enorme. A capacidade de contar e de ouvir uma história ficou arreigada em mim através da cultura sulista.
Quais são os seus escritores favoritos?
Joan Aiken, Beverly Cleary, Isak Dinesen [NR: Karen Blixen], Anne Tyler.
Foi mais exigente escrever A Lenda de Despereaux do que Por Causa de Winn-Dixie e A Libertação do Tigre?
Foi muito mais difícil, porque parti de algo completamente diferente do que tinha feito até então e estava com medo. Além disso, foi o primeiro livro que escrevi com um enredo, e os enredos são coisas complicadas e cheias de truques.
Gostou do filme que foi feito a partir de Por Causa de Winn-Dixie?
Sim, muito. Acho que o filme resultou lindamente.
Quais são as suas palavras favoritas em inglês?
Umbrella (guarda-chuva). Portmanteau (mala). Lantern (lanterna). Forgiveness (perdão).
Como é que faz para encontrar a palavra certa?
Vou ao dicionário. Mas muitas vezes as palavras certas estão na minha cabeça.
Como é que lida com as críticas «não tão boas»?
Lembro-me do que Hemingway disse – e estou a parafraseá-lo: se acreditas neles quando te dizem que és bom, então tens que acreditar quando te dizem que és mau, por isso o melhor é não lhes ligares nenhuma.
Quando é que deixou o emprego na livraria?
Em 2002.
O que a impediu de se comprometer com a escrita durante tantos anos?
Eu sabia que queria ser escritora dez anos antes de começar a escrever. Coisas que me impediram: preguiça, medo, mais preguiça, mais medo. Triste, hã?
O que responde quando alguém a questiona sobre a necessidade de as crianças lerem histórias onde exista a tristeza, a raiva e a perda?
Digo que a tristeza, a raiva e a perda são parte da vida humana e, certamente, da vida de uma criança. As histórias precisam de reflectir a realidade, ao mesmo tempo que nos oferecem esperança, consolo e vontade de prosseguir."

2006/10/16

JN: "Estudo sobre hábitos de leitura"

Continuo a transcrever o Jornal de Notícias de hoje: "[...] Segundo explicou ao JN José Soares Neves, responsável executivo pelo projecto do Observatório, o estudo irá abranger "portugueses alfabetizados com 15 anos ou mais". A amostra está ainda a ser acertada com a empresa que fará o trabalho de campo, mas como amostra de referência foi considerada a do último estudo do género - 2500 indivíduos -, feito há uma década.
Conseguir uma perspectiva evolutiva do problema é precisamente uma das prioridades. Outra é ganhar com experiências do estrangeiro e incorporar dados de estudos internacionais. José Soares Neves acrescenta haver também um módulo específico para os encarregados de educação, visando perceber como vêem os hábitos de leitura dos filhos, as actividades escolares e o funcionamento das bibliotecas. "Não é nosso propósito incidir directamente sobre a população escolar, porque para isso haverá outro estudo", salienta.
Gedeão na internet
Para Isabel Alçada, que coordena o Plano Nacional de Leitura, o arranque do inquérito é apenas um entre vários sinais de dinamismo da iniciativa. Mostra-se "muito satisfeita" com a adesão de autarquias, salientando haver já vários protocolos de colaboração assinados "e muitos outros em estudo" - a título de exemplo, indica que anteontem esteve em Évora para mais uma assinatura.
Na próxima semana arranca um concurso dirigido ao terceiro ciclo do ensino Básico e ao Secundário, no âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Rómulo de Carvalho (ou António Gedeão). "O objectivo é a criação de uma página na internet", explica.
Modelo de avaliação
As listas de livros recomendados e actividades propostas para as escolas deverão dar frutos ao longo do ano lectivo, estando já definido o modelo de avaliação. Essa missão está a cargo de uma equipa do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE), coordenada por António Firmino da Costa, que tem vários trabalhos sobre a leitura. O objectivo é aferir "a adesão e cumprimento dos programas, a atitude dos participantes e o impacto em relação ao desenvolvimento de competências".
O mecenato e o papel dos privados são outra área em que o grupo coordenador do plano está a investir. Isabel Alçada destaca a acção "Tudo a Ler", já lançada pela cadeia de hipermercados Continente, e acrescenta que estão a ser negociados apoios com empresas.
Desenvolvidos estão já acordos de cooperação com editores e livreiros, com associações de professores e com diversas fundações, como é o caso da Gulbenkian, Serralves ou Centro Cultural de Belém."

2006/10/11

Os 50 anos de "Anita"

Cito o Público:
"PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - CULTURA
Director: José Manuel FernandesDirectores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 6041 Quarta, 11 de Outubro de 2006
O MUNDO PERFEITO DO "PAI" DA ANITA
É um dos grandes clássicos da literatura infantil: a colecção da Anita vendeu mais de 80 milhõesde livros em todo o mundo e está traduzida em dezenas de línguas. O seu desenhador, Marcel Marlier, veio a Portugal celebrar os 50 anos da sua menina exemplar. Por Alexandra Prado Coelho
Passaram-se já 52 anos desde que Marcel Marlier desenhou pela primeira vez a Anita - ele, que é belga, chama-lhe Martine. Em 50 anos muita coisa mudou: houve países que nasceram, outros que desapareceram, o Muro de Berlim caiu, o comunismo acabou, a televisão tornou-se um objecto banal, apareceu a Internet, surgiu a União Europeia, os islamistas radicais atacaram os EUA. Enfim, muito mudou. Mas a Anita? Atravessou as décadas, com o seu cão Pantufa, o seu irmão, os amigos, um universo feliz e perfeito. E vendeu milhões - mais de 80 milhões de exemplares em todo o mundo, e mais de 12 milhões só em Portugal.A verdade é que pequenas coisas mudaram nela, o corte de cabelo, às vezes os traços do rosto (sobretudo se compararmos com os primeiros álbuns), a idade, que pode oscilar entre os cinco e os sete anos, mas na essência, Anita continua a ser "uma criança que é gentil, que tenta fazer as coisas bem", tal como Marlier a imaginou há 50 anos.E continua a ter o rosto da menina que trabalhava na loja do outro lado da rua quando o desenhador tinha dez ou 12 anos, e que lhe fazia bater o coração mais depressa. "Não lhe dizia que a amava, claro, porque naquele tempo não era como agora. Não teria ousado tocar-lhe, era como uma santa. Foi esse rosto que me ficou e quando tive que fazer a Anita foi esse rosto que me veio. Queria que fosse uma rapariga gentil e calorosa, que respeitasse os outros. Parecia-me o rosto que melhor representava isso", conta Marlier.
Mudanças, mas poucasDurante todos estes anos, Anita - ou Martinka, ou Lilli, ou Martita ou Mariona, conforme os países - aprendeu a nadar, andou na escola de vela, foi ao jardim zoológico, perdeu o cão, passou férias com os avós, foi baby-sitter, esteve doente, aprendeu culinária, ballet, desenho, ajudou a mãe. Marlier, e Gibert Delahaye, criador original da personagem e autor dos textos até à sua morte, em 1997 (hoje é Jean-Louis Marlier, filho do ilustrador, que escreve os textos), chegaram a ser criticados por álbuns como Anita na Cozinha. "Diziam que estávamos a defender que as mulheres deviam ficar em casa", recorda Marlier. Mas, ao mesmo tempo, ela aprende coisas como vela ou equitação, e parece fazer sempre tudo bem.Marlier fez algumas cedências à evolução dos tempos. Os vestidos muito curtos e lenços na cabeça de um primeiro álbum como Anita na Quinta (1954) foram substituídos por roupas mais modernas. Mas o desenhador acredita que, na essência, as crianças não mudaram, apesar do ambiente em redor. "Infelizmente, hoje deixam-se influenciar muito pela televisão e querem coisas absurdas, como calças de ganga já gastas ou rasgadas. Nas emissões de variedades, as raparigas são todas iguais, com cabelos iguais, aplaudem todas ao mesmo tempo, isso irrita-me porque é tudo formatado." No entanto, "há no homem uma certa gentileza e simpatia em relação aos outros" e é isso que cria a empatia com o universo da Anita, acredita Marlier.Ao princípio era apenas uma personagem como outras, mais um álbum para ilustrar. O êxito só aconteceu ao fim de dois ou três álbuns, e Marlier demorou a aperceber-se da dimensão do fenómeno. Mas lembra-se que uma das primeiras cartas que recebeu foi de uma portuguesa, a elogiar a "perfeição quase divina" do seu traço. Ficou-lhe na memória, tal como outra carta, muito mais recente, de uma menina que escreveu à Anita: "Tenho uma doença de pele, ninguém gosta de mim, mas tu és minha amiga e estás sempre comigo."Inspirado pela própria família - primeiro os filhos, agora os netos - Marlier não planeia introduzir problemas na vida de Anita. "Pedem-me muitas vezes para que os pais dela se divorciem. Mas eu sou casado há mais de 50 anos com a minha mulher e continuamos a dar-nos bem. Fomos sempre uma família unida. Nunca houve com os meus filhos conflitos de gerações, nem na adolescência. Não tenho vontade de fazer divorciar os pais da Anita. Não é o nosso mundo."Também não é provável que a Anita passe dos sete, no máximo oito anos. "Não conheço o mundo das jovens, até porque com a televisão, a moda, e tudo isso as jovens correm o risco de se tornarem artificiais. Não me aventuro nesse mundo, deixo isso para outros."O novo álbum, que acaba de ser lançado em Portugal, chama-se Anita e os Fantasmas. E até ao dia 15 está no Centro Comercial Colombo uma exposição sobre os 50 anos da personagem.A Anita não mudou - e não mudará."

2006/10/06

"Público": suplemento "Mil Folhas" de 30 de Setembro

Pela sua relevância didáctica, cito dois textos editados no suplemento Mil Folhas", parte integrante do jornal Público de 30 de Setembro:

"Um jornal dirigido por um rato
Rita Pimenta
Com uma ficha técnica que não é para levar a sério, a colecção do rato Geronimo Stilton tornou-se num sucesso internacional, com tradução em 35 línguas e vendas que já alcançaram os 20 milhões de exemplares. Em Itália, o país de origem da colecção, foram vendidos 2,5 milhões de livros e, nos Estados Unidos, a Scholastic imprimiu, para a tiragem inicial, um milhão de cópias. Por cá, o êxito não está a corresponder à expectativa da Editorial Presença (venderam-se 27.200 livros), mas os miúdos que gostam do Stilton gostam mesmo e já começavam a reclamar a saída do décimo volume, que foi lançado na terça-feira com o título "Pânico nos Himalaias" (cinco mil exemplares de tiragem).
Façamos uma curta apresentação deste jornalista-escritor de comportamento exemplar, mas facilmente enganado por todos - até porque é muito distraído. Eis como o próprio se dá a conhecer nas suas páginas: "A minha verdadeira paixão é escrever. Aqui em Ratázia, na Ilha dos Ratos, os meus livros são todos "best-sellers". O quê? Não os conhecem? São histórias para rir, mais delicadas que queijo fresco, mais apetitosas que o da Serra, mais suculentas que o cabreiro... histórias mesmo ratonas, palavra de Geronimo Stilton!"
É formado em Ratologia da Literatura Rática, em Filosofia Arqueorrática Comparada e há 20 anos que dirige o "Diário dos Roedores". Nos tempos livres, colecciona cascas antigas de parmesão do século XVIII e joga golfe. No entanto, nada o satisfaz mais do que contar histórias ao seu sobrinho Benjamim.
Ficção à parte, uma das obras conquistou o prémio eBook Award 2002 como melhor livro electrónico infantil e em 2001 o rato já tinha sido considerado a personagem do ano pelo Prémio Andersen. Quem escreve de facto as histórias e está por trás deste roedor nunca é revelado pelas editoras que exploram os direitos da colecção. Pode ser um homem, uma mulher ou até mesmo uma criança. Se se quiser solicitar uma entrevista, as respostas serão dadas por Stilton! - e ponto final.

Sogro avarento, casamento falhado

Em "O Castelo do Lorde Avarento", o rato e a sua irmã Tea são convidados pelo tio Semilorde Zanzibar - a quem chamam "o Piolhoso" e que vive em Penedos Avaros, no Castelo de Rocha Sovina - para o casamento "de seu filho Pimpolho Zanzibar com Cloaquina Cheiroti-Bafius". No final do convite, vinha a seguinte nota: "Agradece-se presente, aliás obrigatório!!!" (pág. 11).
Correu tudo mal para Stilton, que se tornou imediatamente alvo das partidas do primo Esparrela, primeiro com um pó de comichão que o obrigou a tirar as calças em frente aos convidados, depois com uns bombons laxantes, etc. Para os restantes familiares do rato, a estada no castelo também não foi agradável. A avareza daquele Zanzibar levou a que todos passassem fome e frio. A própria noiva percebeu em que sarilhos se ia meter e já não se casou. Deixou o noivo e o pai avarento no castelo e, à boleia na moto da irmã de Stilton, foi viver para a Ratázia.
No final, conclui o rato: "Não sei como será a vossa família, mas a minha é mesmo estranha e cómica. Aliás, todas as famílias são assim... ou não são?" (pág. 117).
Observar as crianças a ler um livro de Geronimo Stilton pode ser muito engraçado, pois algumas delas soltam verdadeiras gargalhadas. Uma característica que também as atrai é o dinamismo da mancha gráfica e dos próprios caracteres. Há vários tipos de letra, cores diferentes no meio do texto, distorção de caracteres, texto em forma de caracol ou a própria palavra transformada numa espécie de ilustração do que é dito. Por exemplo: a expressão "faz frio de mais" aparece em dois tons de azul, grafada com letras grandes e cobertas de neve (pág. 83); a palavra "brilhante" surge em dourado e parece brilhar mesmo (pág. 98).
Também o facto de existir no final de cada livro o mapa da Ilha dos Ratos, aparecer cartografada a cidade da Ratázia e mostrar-se a planta do edifício do "Diário dos Roedores" ajuda os leitores a ter a percepção do espaço em que as histórias acontecem. E as crianças gostam disso. Na verdade, nós também.
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O Castelo do Lorde Avarento
Autor Geronimo Stilton
Ilustrador Roberto Ronchi
Grafismo Merenguita Gingermouse e Aurela De Rosa
Tradutor Carlos Grifo Babo



O fascínio por pedras grandes
Rita Pimenta

Ninguém fica indiferente a um menir ou a uma anta. Prova recente disso mesmo foi a mobilização de mais de 200 pessoas para erguer por métodos primitivos um monumento megalítico de 15 toneladas e sete metros, no Barrocal (Reguengos de Monsaraz). Aconteceu no dia 23 de Setembro - ou melhor, não chegou a acontecer, mas isso não interessa.
As pedras grandes atraem, e o Ricardo, a Rita e o André não resistiram a visitar, durante a noite, as Antas do Olival da Pega, em Monsaraz (mais precisamente Sharish, a terra de Balen al-Farah). Foram às escondidas de Sara, que pensara ter conseguido dissuadi-los dessa arriscada aventura. "Não podiam conceber as perigosas forças que se concentram e escondem em certos locais" (pág. 41).
Seguiu-os, mas, quando os avistou, já não pôde impedir que entrassem na anta. Atirou-se também lá para dentro e regressou assim ao reino da sua mãe, Zaida, uma moura encantada. O povo de origem de Sara vai pedir-lhe então ajuda na demanda do elmo de cristal, uma arma cobiçada pelos povos rivais das Terras Encantadas. Os talentos de Ricardo, de Rita e de André também terão um papel importante no impedimento do avanço das forças demoníacas dos Encobertos.
Francisco Dionísio, o autor de "Elmo de Cristal / Os Mouros das Terras Encantadas", consegue criar um ambiente fantástico que envolve o leitor e o faz acompanhar com interesse as personagens, quer as reais, por assim dizer, quer as lendárias. As descrições, os pormenores e as ligações com os espaços geográficos alentejanos são bem doseados entre os quadros de maior acção, sempre cativantes para os jovens, e suscitam vontade para visitar monumentos megalíticos.
(Há uma irritante confusão entre "concelhos" e "conselhos", pág. 114.)
No final, regista-se um pequeno glossário, de que se transcrevem aqui alguns termos interessantes que se repetem ao longo do livro. Al-Andaluz: nome atribuído pelos árabes à Península Ibérica; Rio Anas: rio Guadiana, cuja junção deriva da palavra árabe "uadi" (rio) com a palavra "ana" (água); Sharish ou Xaris: nome de Monsaraz durante a ocupação islâmica.
O autor desta história, que não é apenas de aventuras, apoiou-se em estudos de Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso, José Leite de Vasconcelos e Gentil Martins. Fez bem.
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Elmo de Cristal / Os Mouros das Terras Encantadas
Autor Francisco Dionísio
Editor Prime Books"

Gramáticª.pt

Pela sua manifesta relevância didáctica, cito o Público de hoje:
"GramáTICª.pt
Filomena Viegas*
Para os que pensam que chegou a Portugal uma nova gramática do português, apresso-me a informar que não! A gramática da língua portuguesa está cá há vários séculos e veio para ficar. O GramáTICª.pt é que é novo. Vive na Internet, onde se instalou para fazer o acompanhamento em linha da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, vulgo TLEBS, nome feio, é certo, mas dita a gramática que isto de siglas é assim.
Pois esta TLEBS está sob um foco de luzes. Será bom que a sua iluminação seja clara e que a imagem projectada a devolva sem grandes deformidades, dado que já há cerca de dez anos que anda muita gente a trabalhar nela. Trabalho que nasceu quando se chegou à conclusão que a Nomenclatura Gramatical Portuguesa, de 1967, tinha deixado de ser uma referência produtiva para os problemas do ensino do português. Desde essa altura, muitas foram as idas e voltas entre os linguistas e os professores, o Ministério da Educação, a Associação de Professores de Português, a Associação Portuguesa de Linguística. Muita tinta foi usada e apagada... Quando, em 2000, a equipa de especialistas concluiu a lista dos termos da TLEBS, deu-se início a uma 2.ª fase de trabalho, a construção das fichas terminológicas, com termo, definição, exemplo e equivalentes em espanhol, francês e inglês. Na 3.ª fase, publicou-se a base de dados Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, em suporte digital, que está nas escolas.
Desde o início da experimentação da TLEBS - experiência piloto em 2005-2006 e generalização da experiência agora em curso -, o texto do artigo 2.º da Portaria n.º 1488/2004, que lhe dá enquadramento legal, tem sido insistentemente repetido: "A TLEBS destina-se a constituir referência para as práticas pedagógicas das disciplinas de Língua Portuguesa e de Português..."
Contudo, as vozes mais polémicas continuam a tentar fazer da TLEBS uma nova gramática, o que a TLEBS não é, ou uma listagem definitiva e arrumada de conteúdos a transmitir aos alunos, o que a TLEBS também não é. E dizer da TLEBS que traz novos termos gramaticais e depois exemplificar com o Substantivo que passa a Nome, não lhe assenta nada bem. No mínimo, é ter esquecido que João de Barros já lhe chamava Nome, na sua Gramática Portuguesa de 1540, quando escrevia que "todalas linguágens tem dous reis diferentes em gé¬nero e concórdes em ofiçio: a um chamam Nome e ao outro Verbo"...
Vista apenas à luz do texto legal, a TLEBS não pode ser entendida como um receituário de termos para professores e alunos memorizarem e papaguearem nas aulas, uma vez que se trata de um documento de referência, um instrumento de trabalho para os professores. Cabe aos professores o trabalho da transposição didáctica dos termos a usar em cada ciclo de ensino, no respeito dos programas em vigor.
Portanto, a TLEBS não é drama nenhum. Está em fase de revisão e é uma lista de termos, em relação directa com a gramática e com a linguística, que a equipa de especialistas que a elaborou considera os mais apropriados, à luz do estado actual dos conhecimentos linguísticos e gramaticais. Termos que os professores, no terreno, têm referido como necessários e adequados para os ensinos básico e secundário. *Docente de Língua Portuguesa há trinta e dois anos, responsável pelo projecto GramáTICª.pt - acompanhamento em linha da TLEBS, na página da DGIDG -Ministério da Educação"

Exposição "Lápis Mágico" no CCB

Continuação do Público de 2 de Outubro: "Na primeira página de Aldo há uma menina, ar triste, cabelo escorrido, uma saia às pregas, uma camisola amarela. E uma única frase: "Passo muito tempo sozinha". Os colegas da escola tratam-na mal, os pais discutem e esquecem-se dela. Mas a menina tem um amigo, um coelho de orelhas espetadas, e ar igualmente melancólico, chamado Aldo. É o seu amigo imaginário que a protege do mundo.
Foi John Burningham, um dos mais conhecidos ilustradores britânicos, autor de muitas dezenas de livros infantis, quem inventou a menina triste e o seu amigo imaginário. Burningham - que é casado com uma ilustradora e pai de três filhos - tem 70 anos, olhos azuis a aparecer por baixo de um sobrolho carregado, rosto sério, em alguns momentos quase angustiado. Assim, de pé ao lado dos seus desenhos, tem, por vezes, um ar tão desprotegido como a menina que inventou um coelho para ter um amigo.
Há 40 anos que Burningham desenha. E o traço mantém a simplicidade dos primeiros tempos - se calhar é esse o segredo de uma figura como o Aldo (de 1991), intemporal e capaz de fascinar crianças em todo o mundo. Mas 40 anos de trabalho não dão ao desenhador maior confiança. De cada vez que recomeça tem dúvidas, angustia-se. "Penso se conseguirei fazê-lo outra vez."
"Ter muita experiência torna as coisas piores", diz, na sua voz grave. "Penso "fiz todas estas coisas e agora não consigo... nunca mais vou conseguir usar a cor outra vez, ou fazer um desenho outra vez". E fico exausto quanto tento desenhar e as coisas não saem."
Burningham não faz, decididamente, as coisas parecerem simples, mas é desarmante a falar das suas limitações. "O que é terrível para um artista que usa a cor e o desenho é que pode de repente perceber que o desenho é terrível, as cores são horríveis. E não existe uma fórmula. Não posso dizer "sei o que estou a fazer mal". Alguma coisa está errada e não sei como fazê-la certa."
Por trás de cada desenho estão horas de tentativas, imensos planos da estrutura de cada livro. "Uma boa história é o que importa." E uma boa história pode ser tão simples como a do bebé que não comia, para desespero dos pais, e que um dia começou a comer abacates e se tornou tão forte que já segurava móveis no ar (Avocado Baby, 1982); ou, como em Granpa (1984), a da relação entre uma menina e o avô, que termina com a imagem do cadeira vazia do avô.
"Nunca penso nas crianças", confessa. "Sei que as minhas histórias são lidas em todo o mundo, por pessoas muito diferentes, por isso devo ter uma fórmula que funciona. Mas não sei qual é. Quando os pais me dizem "o meu filho adora as suas histórias, tenho que as ler todas as noites", fico muito contente, mas não quero saber muito mais sobre isso."
Na sala do CCB onde os seus desenhos podem ser vistos (ver caixa) está um grupo de crianças sentadas no chão em frente deles. Uma das animadoras pergunta-lhes o que é que o Aldo gostará de fazer. "É do Sporting", diz um, por causa do cachecol verde e branco. "Gosta de andar de patins", lança outro. "E de contar histórias", acrescenta um terceiro.
John Burningham não precisa de entender o que é que Aldo tem para as crianças gostarem dele. Basta-lhe que gostem.
Desenhadores britânicos para conhecer até dia 31
Os desenhos de John Burningham - e os de 12 outros desenhadores britânicos, num total de 70 ilustrações - podem ser vistos na exposição Magic Pencil - Lápis Mágico, organizada pelo British Council e pelo Centro de Pedagogia e Animação do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, até dia 31. Para além das ilustrações nas paredes, em mesas baixas as crianças poderão ver e manusear outros livros, e ao fim-de-semana participar nas visitas guiadas, em português e inglês, feitas por rapazes e raparigas entre os 13 e os 18 anos. Há ainda oficinas para crianças (entre os 4 e os 12 anos) em torno dos livros, dos desenhos, da música e da língua inglesa. A English Language Workshop contará, nos dias 23, 24 e 25 com a contadora de histórias britânica Elly Stuart. A ideia por detrás da exposição? "Imaginem um Lápis Mágico. Nesse lápis imaginem uma linha mágica à espera de sair. Ponham o lápis no papel. O que acontece?".".

2006/07/06

Novo livro de Matilde Rosa Araújo

Continuo a citar o Diário de Notícias:"[...]Com mais de 40 livros para crianças e adultos, Matilde Rosa Araújo confessa não saber, exactamente, que proveitos tem tido pelos direitos de autor do que tem publicado. "Não tenho ido à Sociedade de Autores. Como preciso de companhia para sair, aproveito para outras coisas mais imediatas."
Hoje sai, simbolicamente, o último livro, onde a autora retrata o nosso Portugal para os pequeninos, um País "onde a solidão e a iliteracia grassam". Matilde Rosa Araújo considera que elas [as crianças] "precisam de saber". Acha que elas "entendem". "Entendem muita coisa e são muito sensíveis,"
Com uma vida que passa por Viana do Castelo, onde vai de férias, Cascais, onde fica uns meses por ano, e Lisboa, onde vive, Matilde Rosa Araújo sente-se "iluminada" quando é convidada para ir às escolas ou a bibliotecas. "Parece que venho outra por dentro. E como se acendesse um farol."
Voltar às escolas significa regressar ao passado, aos seus tempos de professora que lhe deram a conhecer o País. "Andei por todo o lado, nem tinha canto para escrever. Cheguei a escrever nos comboios, no café... com muito barulho, era gente que me envolvia. Mas sou como os pássaros, volto sempre ao mesmo ninho."
Os outros são muito na sua vida. "Costumo dizer que tenho uma grande fome de vida, de estar com os outros. Devo muito aos encontros que tive. Os amigos não têm preço. E já perdi tantos... é como ter um xaile cheio de buracos e começar a sentir o frio."
Ri-se quando lhe falamos na sua classificação como "mãe" da Literatura Infantil, ao lado de Aquilino Ribeiro, o "pai", com o seu Romance da Raposa. "Está bem, aceito, mas só porque fico ao lado do Aquilino, um bom companheiro."
Quis ser jornalista por ler muito em jornais, em sua casa, diz, "não havia muitos livros". Chegou a fazer uma tese de licenciatura, mas depois, sobretudo a escrita para crianças, foi mais forte. "Antigamente as crianças não tinham voz e por isso não havia literatura infantil. Os seus direitos foram reconhecidos tardiamente." A escrita para adultos, que também pratica, frisa, "tem lá inserida a infância, porque somos sempre a criança. Temos sempre a criança, mesmo quando adultos".
A escritora que escreve "porque não podia deixar de o fazer" sente-se hoje uma mulher "com alegrias, deslumbramentos e lágrimas escondidas". Como "uma prenda que nos fica da vida".
Não acredita em Deus. "Gostava de acreditar", revela, "mas a consciência não me acusa de alguma vez ter sido indigna da vida"."

2006/07/03

Mais uma vez o "Mil Folhas", sobre novo livro de Margarida Fonseca Santos

Continuo a citar outro artigo de Rita Pimenta, intitulado "Letra Pequena / Cem anos de separação", novamente incluído no suplemento "Mil Folhas" do jornal Público de 1 de Julho:
"[...]
João é exactamente o inverso, tem dois irmãos e é muito popular na escola e na ginástica, que adora praticar. Está sempre rodeado de amigos. Foi a sua sorte, pois ia sendo engolido por um buraco negro e não teria conseguido resistir-lhe sozinho. O pior é que agora a família não o larga. Vai atrás dele para todo o lado e nenhum adolescente gosta, nem daqui a 120 anos, de ficar à saída da escola à espera que os papás o levem para casa.
Com imaginação e sensibilidade, Margarida Fonseca Santos cria em "Encruzilhada no Tempo" duas personagens à procura do melhor caminho para crescer. Em paralelo, vai também contando a história do livro que Mariana e João relêem, numa espreitadela ao lugar seguro das suas infâncias, trata-se do conto "A Princesa Valente". Para que o jovem leitor mais inexperiente não se sinta perdido, sempre que esta narrativa interrompe a principal, o texto aparece em itálico e há uma interpelação directa nas primeiras linhas a situar a história e quem a lê.
Exemplificando: "Perto da fronteira, os inimigos recuavam a olhos vistos. (Não me digam que já não sabiam em que parte íamos!)". Este contacto directo cativa o leitor, que se sente não só acompanhado pelas personagens como pelo escritor que as inventou. E a vontade de prosseguir aumenta.
A autora orienta cursos de escrita criativa no Clube de Literatura, Ilustração e Companhia (Clic) e escreve para teatro. Recebeu o Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca e o Prémio Revelação APE/IPLB em 1996 com o título "Uma Pedra sobre o Rio". Já publicou vários livros para a infância e juventude, mas também para adultos. Tem o curso superior de Piano, deu Formação Musical no Conservatório Nacional, no Instituto Gregoriano de Lisboa e foi professora de Pedagogia na Escola Superior de Música de Lisboa. Nesta colecção da Presença, Estrela do Mar, assina também "O Peixe Azul" e "O Livro Misterioso".
Numa das suas noites de insónia, Mariana sentiu-se observada e foi atraída até à porta do armário. Abriu-a. Foi aí que descobriu o túnel.
João, zangado pela perspectiva de ser gozado pelos colegas por andar sempre com adultos, não conseguia adormecer. Começou a ler "A Princesa Valente" e a sorrir pela forma antiquada como a história começava. De repente, sentiu-se também observado e lançou-se pelo armário adentro.
Depois de vários encontros, os protagonistas vão ajudar-se a descobrir quem são. O que os une vai muito para além de um livro e da vontade de crescer. Parece que agora a Mariana já tem companhia e que o João já se livrou de andar com os adultos atrás. Mas Margarida Fonseca Santos é quem melhor sabe contar esta história.

Encruzilhada no Tempo
Autor Margarida Fonseca Santos
Editora Editorial Presença
100 págs., 7,50 euros"

Ainda do "Mil Folhas": "Clássicos para os jovens e para os outros"

Conclusão da citação do artigo de Rita Pimenta:
"[...]
O coordenador salienta o trabalho de tradução de "A Bela e o Monstro", de Maria Teresa dos Santos Silva - "que procurou respeitar o estilo deste "clássico" do séc. XVIII" -, e as ilustrações de Inês Oliveira, "na vincada qualidade do desenho, da composição, do manejo da cor, da criação de uma atmosfera plena de emotividade".
Sem uma previsão concreta do número de livros a publicar, serão inseridos na série autores como Fernando Pessoa e Jaime Cortesão. Deste último, o coordenador espera conseguir uma edição condigna para o "Romance das Ilhas Encantadas": "Obra literariamente legitimada pelo cânone escolar do 2.º ciclo do ensino básico e publicada pela primeira vez na "época de ouro" da nossa literatura para crianças: os anos 10 a 40 do séc. XX."
Actualmente, está a ser ilustrada uma antologia de Fernando Pessoa para crianças, "com os poemas infantis do poeta e outros", com ilustrações de António Modesto. Será "O Meu Primeiro Fernando Pessoa".
Estão também programadas algumas reedições de títulos que fazem parte do fundo da Porto Editora, "com novos enquadramentos gráficos e, por vezes, novas ilustrações". Um dos títulos é "O Rei Rique e Outras Histórias", "da grande Ilse Losa, com ilustrações de Júlio Resende".
Numa outra série para os mais pequenos, sairá "Os Amigos de Lia" de Inês Oliveira (um álbum em que a artista plástica também assina o texto) e "A Bela Desaparecida", de Rita Basílio, uma nova autora que, "com este belo e bem-humorado título, ganhou o Prémio de Literatura Infantil Cidade da Figueira da Foz".

Adaptações feitas por escritores
António Modesto, ilustrador, designer gráfico e professor universitário de Design e de Ilustração (em Coimbra e no Porto), escolhe os ilustradores para cada livro e assegura a qualidade estética da colecção.
Há também um cuidado especial na escolha das adaptações dos textos, "adaptações literárias, feitas por verdadeiros escritores e não por habilidosos", e na qualidade do grafismo, pretendendo-se "dar a ver boas experiências vindas de lá de fora, que desafiem o nosso olhar, o das nossas crianças e o olhar dos nossos próprios ilustradores".
Dos livros já editados, fica a certeza de se estar perante um trabalho sério e profissional, em que se privilegia o literário e o artístico. Agora, que as férias estão aí, é tempo de ler, ler, ler. Ou apenas reler.

A Bela e o Monstro
Autor Jeanne-Marie Leprince de Beaumont
Tradutor Maria Teresa dos Santos Silva
Ilustrador Inês Oliveira
Editor Porto Editora
32 págs., 14,50 euros

A Ilha do Tesouro
Autor Robert Louis Stevenson
Adaptação Claire Ubac
Tradutor António Pescada
Ilustrador François Roca
Editor Porto Editora
64 págs., 14,50 euros

Os Miseráveis
Autor Victor Hugo
Adaptação Luc Lefort
Tradutor António Pescada
Ilustrador Gérard Dubois
Editor Porto Editora
58 págs., 14,50 euros

Ali Babá e os Quarenta Ladrões
Adaptação Luc Lefort
Tradutor António Pescada
Ilustrador Emre Orhun
Editor Porto Editora
58 págs., 14,50 euros"

Entrevista a Fernando Savater no "Mil Folhas"

Pelo seu manifesto interesse didáctico, continuo a citar, do suplemento "Mil Folhas" inserido no Público de 1 de Julho, a entrevista de Fernando Savater:

"[...]
P. - Em "A Infância Recuperada" associava uma certa "decadência" da arte de narrar à decadência da memória, à perda do valor da memória nas sociedades contemporâneas. Trinta anos depois como vê esse problema?
R. - Há uma diferença muito importante, creio, entre a época em que escrevi "A Infância Recuperada" e a actual: o aparecimento da Internet, dos jogos de computador, das consolas de vídeo. Tudo isso apareceu como algo de novo e também como uma espécie de recuperação da imaginação ou de formas de imaginação diferentes. A minha mulher, que é muito afeiçoada aos videojogos, fez-me ver que normalmente se passa do romance ao jogo: "O Senhor dos Anéis", por exemplo. Disse-me ela: e se fosse ao contrário, e se pegássemos no esquema de um jogo de computador e o trasladássemos para um romance? Efectivamente, essa é uma forma de narrar diferente. Quando escrevi "A Infância Recuperada" predominava o tipo de romance sem argumento, quase sem narração, baseado na linguagem. Mas com o passar dos anos foi regressando o argumento, a história. Talvez, em certa medida, por causa desses videojogos, que são micro-histórias. A recuperação da história era o que eu procurava fazer nesse livro.

P. - Também fazia uma distinção entre a arte da narração e o romance burguês e realista...
R. - Porque a arte de narrar tem uma relação com a épica, com a lenda; pretende, de alguma maneira, contar histórias que não sejam costumes mas valores. A narração clássica, digamos, do que trata é de converter um valor, uma virtude, um perigo, em lenda. Em contrapartida, o romance burguês tradicional trata de descrever costumes e problemas entre os costumes da cidade: matrimónio, adultério, etc. Eu pretendia, evidentemente, recuperar a outra narração, a narração num sentido clássico. Creio que essa narração está hoje muito mais presente do que quando escrevi "A Infância Recuperada". Nessa altura isso era visto como algo muito infantil. Hoje, inclusivamente os autores mais respeitados literariamente voltam a recuperar o afã de contar histórias: Mario Vargas Llosa, Coetzee, Saramago contam histórias.

P. - Isso terá alguma coisa que ver com uma certa revalorização da oralidade, nomeadamente por causa do predomínio dos meios audiovisuais?
R. - O que se passa é que há também uma revalorização de dimensões, digamos, alternativas da realidade. Estamo-nos a acostumar a ver construções alternativas da realidade. Por exemplo, fotografias em que aparecem personagens que não estiveram presentes [na cena fotografada]. As histórias nos [jogos de] computadores misturam personagens de histórias diferentes numa história única. É algo que eu também faço no meu romance. Há cada vez mais como que uma espécie de disponibilidade das histórias: dispomos delas, não há uma separação rígida entre histórias de uma época e de outra, misturam-se personagens de diversos contextos num relato novo. Hoje, o romance popular é comum que seja um romance em que aparece Aristóteles resolvendo um caso policial...

P. - Não foi a isso que se chamou, a certa altura, pós-modernidade?
R. - Não sei se isso é a pós-modernidade, mas algo dela deve ter. Bem, isto é moderno no sentido em que há uma certa ironia no tratamento de todos os géneros literários. Não se pede ao romance histórico que não faça concessões à fantasia e que cada género tenha a sua própria norma. Há muito mais flexibilidade irónica no tratamento dos géneros.

P. - "O Grande Labirinto" é um romance de citações, alusões e homenagens. O que tem que ver também com a memória, nomeadamente com a sua memória de leitor...
R. - O grande labirinto é a memória. O grande labirinto é o tempo. De uma maneira ou de outra, vivemos nesse labirinto de referências, de histórias, em que se mistura a ficção, o que recordamos, a nossa vida, as vidas de outros que incorporámos à nossa. Esse é o labirinto em que nos movemos. Eu sempre quis que os meus livros não sejam um ponto de chegada mas um ponto de partida. Ou seja, que a partir de um livro meu se descubram outros livros diferentes. O melhor elogio que podem fazer a um livro meu é dizerem-me: "Li o teu livro e graças a ele descobri a obra de tal outro autor." Gostaria que, ao chegar ao fim de "O Grande Labirinto", o leitor ficasse com vontade de ler histórias de Sherlock Holmes ou de Oscar Wilde, ou de conhecer mais sobre a vida de Leonardo da Vinci... Ou seja, gostaria que o livro o remetesse a outras coisas.

P. - "O Grande Labirinto" não homenageia só os romances de aventuras (e argumento). Cita Shakespeare, Voltaire, Lao Zi, Jan Patocka, etc. É um resumo do seu cânone pessoal?
R. - Sim, todas as personagens pertencem ao meu cânone. Quer dizer: tenho por todas elas algum tipo de afecto especial. E também tentei que fossem de épocas contrastantes. Uma grande livraria, ou uma biblioteca, é como uma farmácia em que há remédios para todas as enfermidades, para a melancolia, para o aborrecimento... O que eu queria era assinalar essa variedade de remédios que há na literatura.

P. - O livro tem um certo ar compósito e mecânico, de acumulação e repetição de um mesmo pretexto narrativo: as "viagens" fantásticas que as personagens empreendem...
R. - Cada uma das viagens trata, minimamente, de um problema contemporâneo: o terrorismo, a ciência ao serviço da guerra, o fanatismo religioso, a violência sobre as mulheres, etc. Evidentemente, insisto, o que fiz foi pegar no mecanismo dos jogos de computador. Ou seja, não é um romance no sentido habitual do termo, mas sim um desses jogos multimédia convertido em romance.

P. - Escreveu este livro a pensar num público específico, juvenil?
R. - Um livro como este pode ter leituras diferentes. Eu pensei num público que tenha entre 12 e 14 ou 15 anos, um público adolescente. Mas é claro que, quando penso em adolescentes, penso em mim como adolescente. Não sei como são os adolescentes agora, talvez sejam muito diferentes. Eu penso no adolescente que fui, no tipo de livros de que poderia gostar o adolescente que eu fui. Mas creio que um leitor adulto pode ler outros níveis no livro, pode lê-lo com um pouco mais de humor ou com um pouco mais de busca do segundo sentido que pode haver no livro.

P. - A literatura "para crianças e jovens" costuma ser editada em colecções específicas. Tal não acontece com este livro. Isso pode trazer-lhe um público diferente?
R. - C. S. Lewis, o amigo de Tolkien que escreveu bastante sobre literatura juvenil, dizia que literatura juvenil é aquela de que também os jovens gostam. Quer dizer que um livro de literatura infantil não é um livro que só agrada às crianças, porque um livro que só agrade a uma criança não vale a pena nem para a criança. A literatura infantil é aquela que pode agradar também a uma criança. "A Ilha do Tesouro", de Stevenson, é um romance de que também os jovens podem gostar, mas que pode agradar a qualquer um de nós. Evidentemente que não pretendo comparar, mas gostaria que o meu livro, sendo pensado para que os jovens possam desfrutá-lo, não excluísse outro tipo de leitores.

P. - Os livros pensados para jovens costumam ter um problema: o didactismo...
R. - Eu não vejo nada de mal no didactismo. Quer dizer, o que é didáctico não tem de ser aborrecido. Sou daqueles que, quando liam os romances de Salgari, gostavam que ele descrevesse como eram os bosques e como eram as árvores, e que havia árvores cujos frutos se podiam comer... As crianças pequenas gostam, digamos, de saber que o lobo come o Capuchinho Vermelho, mas que, no final, o caçador resgata-a da barriga do lobo. A moral da história faz parte da própria história. Não creio que vá contra ela. A ideia de que a história não tem de transmitir nenhum valor creio que não corresponde àquilo que é a verdadeira narração.

P. - Defende, portanto, a possibilidade de a ficção poder ser educativa?
R. - Eu sinto-me, antes de mais, um educador, o que me preocupa mais é a educação. Gostaria de ser um grande artista, mas não creio que o seja. Escrevi livros que ajudam os educadores e que ajudam a educar de uma maneira que não seja aborrecida, fastidiosa, que não converta a educação numa tortura. Porque eu creio que a educação não é uma tortura, mas um dos momentos mais apaixonantes da vida. A educação é apaixonante e deveria apaixonar os que estão a educar-se. O que tento é escrever livros capazes de fazer os jovens apaixonarem-se pela educação.

P. - Mais do que um escritor, é então um professor que escreve livros?
R. - Em primeiro lugar sou um leitor. Se me pagassem para ler, eu não precisava de ser mais nada. Mas como não me pagam para ler, há que fazer algumas outras coisas. Considero-me um educador, fundamentalmente, um professor. Creio que tenho uma certa capacidade de relação com as crianças e com os adolescentes, talvez porque de algum modo continuo muito próximo deles. Um bom mestre tem de ser um pouco ignorante. Ou seja, os grandes sábios não são bons professores porque não compreendem a ignorância dos outros. Tenho companheiros muito sábios, de filosofia, que são muito maus professores, porque não entendem que os outros não compreendam as coisas, parece-lhes que há má vontade nos outros. Em contrapartida, os que são um pouco ignorantes são melhores professores porque compreendem a ignorância dos outros, põem-se facilmente no seu lugar e percebem o que é que eles não entendem.

P. - Parece, todavia, que as suas actividades como divulgador e ficcionista nem sempre são bem vistas pelos seus colegas educadores e académicos...
R. - Não podemos tentar viver como nos agrada e ao mesmo tempo comprazer os outros. Nunca me considerei um espectáculo para os outros e nem isso me preocupa demasiado.

P. - Fala-se muito, e há muito tempo, em educar para a leitura. É possível ensinar o prazer de ler?
R. - A leitura é, em primeiro lugar, um prazer e os prazeres não se impõem, comunicam-se por contágio. O prazer da leitura tem de ser contagiante. Mas hoje a leitura não é só leitura de livros. Quando eu tinha dez anos, não havia televisão, íamos ao cinema quando fazíamos anos ou uma vez por mês, e ou jogávamos futebol com os outros miúdos ou líamos. Eu não gostava de futebol. Hoje a literatura tem muitas alternativas: a Internet, os jogos de computador, os blogues, a música, etc. Também se lê na Internet. Para mim, ler é ler um livro e quero que o jornal que compro e leio de manhã seja em papel; lê-lo num ecrã não me dá o prazer que me dá um jornal de papel. Mas compreendo que talvez daqui a 20 anos toda a gente leia o jornal num ecrã. E talvez os livros também. Ou seja, o que é preciso é conservar vivo o prazer que a leitura encerra. Pensemos que muitos dos nossos antepassados, muito importantes intelectualmente, nunca leram um livro. Séneca nunca teve um livro, em sentido moderno, nas mãos. Aristóteles não saberia o que é um livro. No entanto, não são pessoas que não lessem e que não tivessem tido uma vinculação à literatura.

P. - No seu "Dicionário Filosófico", diz que "ler é já pensar". Não há uma sobrevalorização da leitura?
R. - Ler é pensar no sentido de que ver imagens não tem, obrigatoriamente, de estar relacionado com um pensamento articulado, enquanto ler sim. Ou seja, ler é, forçosamente, decifrar símbolos e toda a decifração de símbolos implica um complexo processo mental. Ver uma paisagem, inclusive um quadro de Rembrandt maravilhoso, podemos fazê-lo, digamos, quase com a mente em branco. Mas não podemos ler sem pensar. Claro que há obras artísticas que podem despertar em nós pensamentos mais sublimes do que a leitura de um livro trivial. Mas o pensamento pode ser trivial mas já é o início do pensamento superior.

P. - "O Grande Labirinto" pretende ser também uma parábola...
R. - Tem um pouco a intenção de parábola, mas não quis que tivesse uma lição excessivamente evidente. Porque me recordo sempre daquela opinião de Lord Chesterfield à saída de uma representação de "Otelo", de Shakespeare. Alguém lhe perguntou qual era o conteúdo, a lição da obra, e Lord Chesterfield disse: "As senhoras têm de ter muito cuidado com o que fazem com os seus lenços." Essa é uma das consequências que podemos tirar de "Otelo", mas não creio que seja a única...

P. - ... Uma parábola com moral ambígua.
R. - Quis que o final não fosse triunfal, sem mais. Os miúdos aprendem que têm de tentar lutar para resgatar os seus maiores, mas logo descobrem que talvez os adultos não queiram ser resgatados e que o que eles pensavam que era um grande perigo não é visto pelos outros como tal.

P. - Tendo lido "O Grande Labirinto", posso presumir que não tem visto o Campeonato Mundial de futebol...
R. - Não, não, não! Nunca fui um adepto do futebol...

P. - Prefere as corridas de cavalos...
R. - Sim, gosto muito de corridas de cavalos. E sempre consegui meter alguma história de cavalos nos meus livros anteriores. Nas corridas de cavalos são raros os nacionalismos, ninguém vai com bandeiras... Isso, para mim, é muito importante. Há uma relação mais individual, mais pessoal.

P. - Por falar em nacionalismos: como vê a evolução das autonomias "nacionais" em Espanha depois do novo "Estatuto" catalão?
R. - Os nacionalismos foram a grande desgraça da Espanha moderna. No século XIX todas as tentativas de fazer uma Espanha moderna, liberal e democrática tropeçaram nos nacionalismos. Isso passou-se no século XIX e no séxulo XX com a República e, desgraçadamente, passa-se hoje. O nacionalismo, que é o elemento mais reaccionário da política moderna, em Espanha uniu-se, estranhamente, à esquerda. A esquerda que sempre foi internacionalista! Hoje, coisas muito reaccionárias, como o estatuto catalão ou o que se prepara no País Basco, são vistas como avanços e como progressos esquerdistas, o que me parece absurdo. Já se viu que o estatuto catalão é um problema dos políticos. Após dois anos de lutas e confrontos, chega o referendo e mais de metade da população não vota porque não lhe interessa nada esse problema. Ou seja, é um falso problema. Oxalá não cause mais danos.

P. - Mas as reivindicações autonómicas passam também por problemas de ordem cultural e, especialmente, de ordem linguística...
R. - Que se respeitem as culturas mas não se inventem. Uma coisa é respeitar as línguas, outra coisa é haver perseguição de uma língua como o castelhano. São os falantes que têm direito à sua língua, não as línguas que têm direito a procurar falantes. Na Catalunha e no País Basco considera-se que quem tem direitos é a língua: a língua tem direito a ser falada. Eu creio que são os falantes que têm direito a falar a sua língua. Se os falantes decidem falar outra, têm o direito de falar outra. O nacionalismo crê que os direitos têm-nos o território, a língua, tudo menos as pessoas. Hoje, no País Basco ou na Catalunha, uma pessoa normal não pode educar os seus filhos na língua que preferir, tem de educá-los obrigatoriamente na língua do território, o que é um retrocesso das liberdades.

P. - O seu "Dicionário Filosófico" encerrava com uma citação de Peter Handke. O que pensa das recentes e polémicas censuras sobre ele exercidas?
R. - Há muitos autores que podemos admirar literariamente sem compartilharmos, em absoluto, os seus ideais políticos. É o caso de Céline. Mas por exemplo, e já que falamos de Handke e das suas simpatias por Milosevic: Harold Pinter, que acaba de ganhar o Prémio Nobel, tem também simpatias por Milosevic e teve simpatias por Saddam Hussein, que expressou várias vezes, e no entanto ninguém lhe tirou o Nobel; Saramago tem simpatias por Fidel Castro, que tão-pouco é um modelo de liberdades públicas. O que me parece injusto é que, no caso de Handke, retiraram uma obra de teatro que não tinha nada que ver com estes problemas. Para castigá-lo. Que sabemos nós sobre o que pensava Shakespeare da política, por exemplo? Isso não nos impede de lermos e vermos as suas obras com entusiasmo."

Entrevista a Fernando Savater no "Mil Folhas"

Pelo seu manifesto interesse didáctico, continuo a citar, do suplemento "Mil Folhas" inserido no Público de 1 de Julho, a entrevista de Fernando Savater:

"[...]
P. - Em "A Infância Recuperada" associava uma certa "decadência" da arte de narrar à decadência da memória, à perda do valor da memória nas sociedades contemporâneas. Trinta anos depois como vê esse problema?
R. - Há uma diferença muito importante, creio, entre a época em que escrevi "A Infância Recuperada" e a actual: o aparecimento da Internet, dos jogos de computador, das consolas de vídeo. Tudo isso apareceu como algo de novo e também como uma espécie de recuperação da imaginação ou de formas de imaginação diferentes. A minha mulher, que é muito afeiçoada aos videojogos, fez-me ver que normalmente se passa do romance ao jogo: "O Senhor dos Anéis", por exemplo. Disse-me ela: e se fosse ao contrário, e se pegássemos no esquema de um jogo de computador e o trasladássemos para um romance? Efectivamente, essa é uma forma de narrar diferente. Quando escrevi "A Infância Recuperada" predominava o tipo de romance sem argumento, quase sem narração, baseado na linguagem. Mas com o passar dos anos foi regressando o argumento, a história. Talvez, em certa medida, por causa desses videojogos, que são micro-histórias. A recuperação da história era o que eu procurava fazer nesse livro.

P. - Também fazia uma distinção entre a arte da narração e o romance burguês e realista...
R. - Porque a arte de narrar tem uma relação com a épica, com a lenda; pretende, de alguma maneira, contar histórias que não sejam costumes mas valores. A narração clássica, digamos, do que trata é de converter um valor, uma virtude, um perigo, em lenda. Em contrapartida, o romance burguês tradicional trata de descrever costumes e problemas entre os costumes da cidade: matrimónio, adultério, etc. Eu pretendia, evidentemente, recuperar a outra narração, a narração num sentido clássico. Creio que essa narração está hoje muito mais presente do que quando escrevi "A Infância Recuperada". Nessa altura isso era visto como algo muito infantil. Hoje, inclusivamente os autores mais respeitados literariamente voltam a recuperar o afã de contar histórias: Mario Vargas Llosa, Coetzee, Saramago contam histórias.

P. - Isso terá alguma coisa que ver com uma certa revalorização da oralidade, nomeadamente por causa do predomínio dos meios audiovisuais?
R. - O que se passa é que há também uma revalorização de dimensões, digamos, alternativas da realidade. Estamo-nos a acostumar a ver construções alternativas da realidade. Por exemplo, fotografias em que aparecem personagens que não estiveram presentes [na cena fotografada]. As histórias nos [jogos de] computadores misturam personagens de histórias diferentes numa história única. É algo que eu também faço no meu romance. Há cada vez mais como que uma espécie de disponibilidade das histórias: dispomos delas, não há uma separação rígida entre histórias de uma época e de outra, misturam-se personagens de diversos contextos num relato novo. Hoje, o romance popular é comum que seja um romance em que aparece Aristóteles resolvendo um caso policial...

P. - Não foi a isso que se chamou, a certa altura, pós-modernidade?
R. - Não sei se isso é a pós-modernidade, mas algo dela deve ter. Bem, isto é moderno no sentido em que há uma certa ironia no tratamento de todos os géneros literários. Não se pede ao romance histórico que não faça concessões à fantasia e que cada género tenha a sua própria norma. Há muito mais flexibilidade irónica no tratamento dos géneros.

P. - "O Grande Labirinto" é um romance de citações, alusões e homenagens. O que tem que ver também com a memória, nomeadamente com a sua memória de leitor...
R. - O grande labirinto é a memória. O grande labirinto é o tempo. De uma maneira ou de outra, vivemos nesse labirinto de referências, de histórias, em que se mistura a ficção, o que recordamos, a nossa vida, as vidas de outros que incorporámos à nossa. Esse é o labirinto em que nos movemos. Eu sempre quis que os meus livros não sejam um ponto de chegada mas um ponto de partida. Ou seja, que a partir de um livro meu se descubram outros livros diferentes. O melhor elogio que podem fazer a um livro meu é dizerem-me: "Li o teu livro e graças a ele descobri a obra de tal outro autor." Gostaria que, ao chegar ao fim de "O Grande Labirinto", o leitor ficasse com vontade de ler histórias de Sherlock Holmes ou de Oscar Wilde, ou de conhecer mais sobre a vida de Leonardo da Vinci... Ou seja, gostaria que o livro o remetesse a outras coisas.

P. - "O Grande Labirinto" não homenageia só os romances de aventuras (e argumento). Cita Shakespeare, Voltaire, Lao Zi, Jan Patocka, etc. É um resumo do seu cânone pessoal?
R. - Sim, todas as personagens pertencem ao meu cânone. Quer dizer: tenho por todas elas algum tipo de afecto especial. E também tentei que fossem de épocas contrastantes. Uma grande livraria, ou uma biblioteca, é como uma farmácia em que há remédios para todas as enfermidades, para a melancolia, para o aborrecimento... O que eu queria era assinalar essa variedade de remédios que há na literatura.

P. - O livro tem um certo ar compósito e mecânico, de acumulação e repetição de um mesmo pretexto narrativo: as "viagens" fantásticas que as personagens empreendem...
R. - Cada uma das viagens trata, minimamente, de um problema contemporâneo: o terrorismo, a ciência ao serviço da guerra, o fanatismo religioso, a violência sobre as mulheres, etc. Evidentemente, insisto, o que fiz foi pegar no mecanismo dos jogos de computador. Ou seja, não é um romance no sentido habitual do termo, mas sim um desses jogos multimédia convertido em romance.

P. - Escreveu este livro a pensar num público específico, juvenil?
R. - Um livro como este pode ter leituras diferentes. Eu pensei num público que tenha entre 12 e 14 ou 15 anos, um público adolescente. Mas é claro que, quando penso em adolescentes, penso em mim como adolescente. Não sei como são os adolescentes agora, talvez sejam muito diferentes. Eu penso no adolescente que fui, no tipo de livros de que poderia gostar o adolescente que eu fui. Mas creio que um leitor adulto pode ler outros níveis no livro, pode lê-lo com um pouco mais de humor ou com um pouco mais de busca do segundo sentido que pode haver no livro.

P. - A literatura "para crianças e jovens" costuma ser editada em colecções específicas. Tal não acontece com este livro. Isso pode trazer-lhe um público diferente?
R. - C. S. Lewis, o amigo de Tolkien que escreveu bastante sobre literatura juvenil, dizia que literatura juvenil é aquela de que também os jovens gostam. Quer dizer que um livro de literatura infantil não é um livro que só agrada às crianças, porque um livro que só agrade a uma criança não vale a pena nem para a criança. A literatura infantil é aquela que pode agradar também a uma criança. "A Ilha do Tesouro", de Stevenson, é um romance de que também os jovens podem gostar, mas que pode agradar a qualquer um de nós. Evidentemente que não pretendo comparar, mas gostaria que o meu livro, sendo pensado para que os jovens possam desfrutá-lo, não excluísse outro tipo de leitores.

P. - Os livros pensados para jovens costumam ter um problema: o didactismo...
R. - Eu não vejo nada de mal no didactismo. Quer dizer, o que é didáctico não tem de ser aborrecido. Sou daqueles que, quando liam os romances de Salgari, gostavam que ele descrevesse como eram os bosques e como eram as árvores, e que havia árvores cujos frutos se podiam comer... As crianças pequenas gostam, digamos, de saber que o lobo come o Capuchinho Vermelho, mas que, no final, o caçador resgata-a da barriga do lobo. A moral da história faz parte da própria história. Não creio que vá contra ela. A ideia de que a história não tem de transmitir nenhum valor creio que não corresponde àquilo que é a verdadeira narração.

P. - Defende, portanto, a possibilidade de a ficção poder ser educativa?
R. - Eu sinto-me, antes de mais, um educador, o que me preocupa mais é a educação. Gostaria de ser um grande artista, mas não creio que o seja. Escrevi livros que ajudam os educadores e que ajudam a educar de uma maneira que não seja aborrecida, fastidiosa, que não converta a educação numa tortura. Porque eu creio que a educação não é uma tortura, mas um dos momentos mais apaixonantes da vida. A educação é apaixonante e deveria apaixonar os que estão a educar-se. O que tento é escrever livros capazes de fazer os jovens apaixonarem-se pela educação.

P. - Mais do que um escritor, é então um professor que escreve livros?
R. - Em primeiro lugar sou um leitor. Se me pagassem para ler, eu não precisava de ser mais nada. Mas como não me pagam para ler, há que fazer algumas outras coisas. Considero-me um educador, fundamentalmente, um professor. Creio que tenho uma certa capacidade de relação com as crianças e com os adolescentes, talvez porque de algum modo continuo muito próximo deles. Um bom mestre tem de ser um pouco ignorante. Ou seja, os grandes sábios não são bons professores porque não compreendem a ignorância dos outros. Tenho companheiros muito sábios, de filosofia, que são muito maus professores, porque não entendem que os outros não compreendam as coisas, parece-lhes que há má vontade nos outros. Em contrapartida, os que são um pouco ignorantes são melhores professores porque compreendem a ignorância dos outros, põem-se facilmente no seu lugar e percebem o que é que eles não entendem.

P. - Parece, todavia, que as suas actividades como divulgador e ficcionista nem sempre são bem vistas pelos seus colegas educadores e académicos...
R. - Não podemos tentar viver como nos agrada e ao mesmo tempo comprazer os outros. Nunca me considerei um espectáculo para os outros e nem isso me preocupa demasiado.

P. - Fala-se muito, e há muito tempo, em educar para a leitura. É possível ensinar o prazer de ler?
R. - A leitura é, em primeiro lugar, um prazer e os prazeres não se impõem, comunicam-se por contágio. O prazer da leitura tem de ser contagiante. Mas hoje a leitura não é só leitura de livros. Quando eu tinha dez anos, não havia televisão, íamos ao cinema quando fazíamos anos ou uma vez por mês, e ou jogávamos futebol com os outros miúdos ou líamos. Eu não gostava de futebol. Hoje a literatura tem muitas alternativas: a Internet, os jogos de computador, os blogues, a música, etc. Também se lê na Internet. Para mim, ler é ler um livro e quero que o jornal que compro e leio de manhã seja em papel; lê-lo num ecrã não me dá o prazer que me dá um jornal de papel. Mas compreendo que talvez daqui a 20 anos toda a gente leia o jornal num ecrã. E talvez os livros também. Ou seja, o que é preciso é conservar vivo o prazer que a leitura encerra. Pensemos que muitos dos nossos antepassados, muito importantes intelectualmente, nunca leram um livro. Séneca nunca teve um livro, em sentido moderno, nas mãos. Aristóteles não saberia o que é um livro. No entanto, não são pessoas que não lessem e que não tivessem tido uma vinculação à literatura.

P. - No seu "Dicionário Filosófico", diz que "ler é já pensar". Não há uma sobrevalorização da leitura?
R. - Ler é pensar no sentido de que ver imagens não tem, obrigatoriamente, de estar relacionado com um pensamento articulado, enquanto ler sim. Ou seja, ler é, forçosamente, decifrar símbolos e toda a decifração de símbolos implica um complexo processo mental. Ver uma paisagem, inclusive um quadro de Rembrandt maravilhoso, podemos fazê-lo, digamos, quase com a mente em branco. Mas não podemos ler sem pensar. Claro que há obras artísticas que podem despertar em nós pensamentos mais sublimes do que a leitura de um livro trivial. Mas o pensamento pode ser trivial mas já é o início do pensamento superior.

P. - "O Grande Labirinto" pretende ser também uma parábola...
R. - Tem um pouco a intenção de parábola, mas não quis que tivesse uma lição excessivamente evidente. Porque me recordo sempre daquela opinião de Lord Chesterfield à saída de uma representação de "Otelo", de Shakespeare. Alguém lhe perguntou qual era o conteúdo, a lição da obra, e Lord Chesterfield disse: "As senhoras têm de ter muito cuidado com o que fazem com os seus lenços." Essa é uma das consequências que podemos tirar de "Otelo", mas não creio que seja a única...

P. - ... Uma parábola com moral ambígua.
R. - Quis que o final não fosse triunfal, sem mais. Os miúdos aprendem que têm de tentar lutar para resgatar os seus maiores, mas logo descobrem que talvez os adultos não queiram ser resgatados e que o que eles pensavam que era um grande perigo não é visto pelos outros como tal.

P. - Tendo lido "O Grande Labirinto", posso presumir que não tem visto o Campeonato Mundial de futebol...
R. - Não, não, não! Nunca fui um adepto do futebol...

P. - Prefere as corridas de cavalos...
R. - Sim, gosto muito de corridas de cavalos. E sempre consegui meter alguma história de cavalos nos meus livros anteriores. Nas corridas de cavalos são raros os nacionalismos, ninguém vai com bandeiras... Isso, para mim, é muito importante. Há uma relação mais individual, mais pessoal.

P. - Por falar em nacionalismos: como vê a evolução das autonomias "nacionais" em Espanha depois do novo "Estatuto" catalão?
R. - Os nacionalismos foram a grande desgraça da Espanha moderna. No século XIX todas as tentativas de fazer uma Espanha moderna, liberal e democrática tropeçaram nos nacionalismos. Isso passou-se no século XIX e no séxulo XX com a República e, desgraçadamente, passa-se hoje. O nacionalismo, que é o elemento mais reaccionário da política moderna, em Espanha uniu-se, estranhamente, à esquerda. A esquerda que sempre foi internacionalista! Hoje, coisas muito reaccionárias, como o estatuto catalão ou o que se prepara no País Basco, são vistas como avanços e como progressos esquerdistas, o que me parece absurdo. Já se viu que o estatuto catalão é um problema dos políticos. Após dois anos de lutas e confrontos, chega o referendo e mais de metade da população não vota porque não lhe interessa nada esse problema. Ou seja, é um falso problema. Oxalá não cause mais danos.

P. - Mas as reivindicações autonómicas passam também por problemas de ordem cultural e, especialmente, de ordem linguística...
R. - Que se respeitem as culturas mas não se inventem. Uma coisa é respeitar as línguas, outra coisa é haver perseguição de uma língua como o castelhano. São os falantes que têm direito à sua língua, não as línguas que têm direito a procurar falantes. Na Catalunha e no País Basco considera-se que quem tem direitos é a língua: a língua tem direito a ser falada. Eu creio que são os falantes que têm direito a falar a sua língua. Se os falantes decidem falar outra, têm o direito de falar outra. O nacionalismo crê que os direitos têm-nos o território, a língua, tudo menos as pessoas. Hoje, no País Basco ou na Catalunha, uma pessoa normal não pode educar os seus filhos na língua que preferir, tem de educá-los obrigatoriamente na língua do território, o que é um retrocesso das liberdades.

P. - O seu "Dicionário Filosófico" encerrava com uma citação de Peter Handke. O que pensa das recentes e polémicas censuras sobre ele exercidas?
R. - Há muitos autores que podemos admirar literariamente sem compartilharmos, em absoluto, os seus ideais políticos. É o caso de Céline. Mas por exemplo, e já que falamos de Handke e das suas simpatias por Milosevic: Harold Pinter, que acaba de ganhar o Prémio Nobel, tem também simpatias por Milosevic e teve simpatias por Saddam Hussein, que expressou várias vezes, e no entanto ninguém lhe tirou o Nobel; Saramago tem simpatias por Fidel Castro, que tão-pouco é um modelo de liberdades públicas. O que me parece injusto é que, no caso de Handke, retiraram uma obra de teatro que não tinha nada que ver com estes problemas. Para castigá-lo. Que sabemos nós sobre o que pensava Shakespeare da política, por exemplo? Isso não nos impede de lermos e vermos as suas obras com entusiasmo."

2006/06/26

Novo Livro de José Afonso Furtado

Continuação da citação do suplemento Mil Folhas, parte integrante do Público de 24 de Junho de 2006: "O livro, uma edição muito bonita, sóbria, com um grafismo e tamanho ideal, foi publicado pela editora brasileira Escritório do Livro com o apoio do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. A obra, apenas disponível no Brasil, é erudita sem deixar de ser didáctica, levanta vários problemas ligados ao livro, à evolução da escrita e às práticas sociais e mentais de leitura, lê-se numa horas, e, como o autor é exaustivo nas fontes e referências, quem quiser aprofundar ainda mais os temas ali abordados tem o trabalho de casa feito.
"O Papel e o Pixel" é uma súmula do que o autor já publicou sobre este assunto, agora mais actualizado, pois as novas tecnologias estão em constante mudança. Os capítulos são "Livro eletrônico e edição eletrônica: tentativa de definição", "Versões eletrônicas e reconceitualização do livro no mundo digital", "Mediação tecnológica e remediação" e "Técnicas, textos, usos. Questões cognitivas e práticas sociais" e ainda uma introdução e uma conclusão.
Numa nota logo no início, o autor diz-nos que o volume tem por base dois textos, um deles publicado na revista de literatura "Românica" em 2004 e um outro que fez para o projecto Ciberdifusão, nunca publicado. Mas acrescenta que "[a obra] não resulta, contudo, da sua mera reunião, pois foram ambos revistos e adaptados para publicação como volume coerente e autônomo, que foi ainda objeto de significativa ampliação com material até agora inédito".
Estamos num "campo de turbulência", escreve Furtado na pág. 30, "em que a geração de publicações que exploram as capacidades específicas do universo digital, o crescimento exponencial da Web e a vulgarização do trabalho em rede e em ambientes hipertextuais questionam algumas noções atribuíveis aos textos da cultura do impresso, como a sua fixidez, linearidade, sequencialidade, autoridade ou finitude, provocando transformações nas clássicas definições de autor, leitor e as suas relações mútuas, bem como dando lugar a novas formas de ler e de escrever". É este o ponto de partida para a reflexão que nos pode levar a questionar se, por exemplo, o livro é associado à literatura por esta ter sido "a nossa mestra de leitura" (a literatura ensinou-nos a ler ficção) e se será por termos apreendido a ler através de romances que acabamos por dar a primazia à leitura do livro sob o signo do contínuo. Ou que nos leva a olhar para o futuro, por exemplo, através das opiniões de Robert S. Boynton, para quem "inovações como iTunes da Apple poderão ser consideradas como o primeiro passo para uma sociedade em que muita da atividade cultural que hoje temos como garantida - consultar uma enciclopédia numa biblioteca, vender um manual de geometria a um amigo ou copiar uma canção para um familiar - será encaminhada para um sistema de micropagamentos como contrapartida dos direitos de peças cada vez menores da nossa cultura" (pág. 152). Ou nos leva a acreditar nas previsões da consultora jurídica da American Library Association, para a qual, ""mais cedo ou mais tarde, vamos ter que calcular o preço de uma frase" e que, quando aí chegarmos, "já não se vai poder voltar atrás"" (pág. 153).
Com "O Papel e o Pixel", José Afonso Furtado vem pôr ordem na desordem da leitura.
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O Papel e o Pixel
Do Impresso ao Digital: Continuidades e Transformações
Autor: José Afonso Furtado
Prefácio: Aníbal Bragança
Editor: Escritório do Livro, Brasil
205 págs. ".

José Miguel Ribeiro homenageado no Porto

Continuação da citação do Público de 26 de Junho de 2006: "José Miguel Ribeiro nasceu na Amadora, em 1966. Formou-se em Pintura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, em 1992. Nesse ano, participou na Bienal de Jovens Criadores do Mediterrâneo, em Valência, como ilustrador, actividade a que se tem dedicado com regularidade, em paralelo com a animação. Nesta arte, iniciou-se, nos primeiros anos da década de 1990, em cursos na Gulbenkian (Lisboa) e num estágio franco-português nos estúdios Filmógrafo (Porto) e Lazennec (Bretanha). É desse tempo o episódio sobre o triplo salto que fez para a série Jogos Olímpicos. E trabalhou na série da RTP O Jardim da Celeste. Mas foi em 1999 que concretizou o seu primeiro projecto ambicioso de animação de volumes, com A Suspeita. Daí para cá, continuou a trabalhar em ilustração, realizou a série Coisas Lá de Casa, e a curta Abraço do Vento, dedicada à música de Carlos Paredes. Agora sonha com Cabo Verde.
José Miguel Ribeiro vem desde há meia dúzia de anos a tentar libertar-se do epíteto "o "gajo" que fez A Suspeita". Mas tem sido difícil. Primeiro, porque esta curta-metragem de animação de volumes garantiu já um lugar na história da animação portuguesa como o filme que acumulou mais prémios, nacionais e internacionais - o mais importante dos quais foi o Cartoon d"Or (o "Óscar" da animação europeia), conquistado em 2000, na Suécia. Depois, porque a condições de trabalho na animação no nosso país não permitem uma actividade segura e continuada, mesmo para os melhores.
A homenagem que a Casa da Animação lhe está a prestar, no Porto, com uma exposição (Desenhar o que não se vê), duas mostras de filmes (a primeira, exibida na quinta-feira, reuniu a sua obra; a segunda, a 22 de Julho, vai desvendar as suas escolhas) e um workshop, pode permitir-lhe dar o salto.
Actualmente com 40 anos, José Miguel Ribeiro vê essa homenagem como a oportunidade para fazer "o ponto da situação" da sua carreira. "Isto é uma vida muito instável, onde a maior dificuldade é a ausência de condições para um trabalho continuado", desabafa o realizador. "Estou numa fase em que tenho de tomar decisões: ou continuar com as curtas-metragens, mesmo optando por projectos mais simples e mais baratos, ou arranjar um projecto altamente comercial". É o dilema habitual de quem trabalha em animação no nosso país.
Quando fez A Suspeita, numa altura em que a animação portuguesa manifestava alguma vitalidade, Ribeiro acreditou que a situação poderia consolidar-se ou mesmo melhorar. "O que sinto hoje é um grande desequilíbrio: há poucos trabalhos de grande qualidade, mas muitos que não ultrapassam a mediania". E o prémio agora conquistado por Regina Pessoa no Festival de Annecy (França), com História Trágica com Final Feliz, é "uma rara excepção que confirma a regra", nota.
Na sua carreira, Ribeiro acrescentou, entretanto, ao êxito de A Suspeita as experiência de realização de uma série, As Coisas Lá de Casa (2001-03), e um pequeno filme dedicado à música de Carlos Paredes, O Abraço do Vento (para a peça Canto de Trabalho). Trabalhos que tem feito a partir de Montemor-o-Novo, onde actualmente vive.

"A ilustração é o meu sustento"
Mas, no nosso país, um realizador de cinema de animação tem vida difícil. A compensação, Ribeiro tem-na encontrado na direcção de workshops e, principalmente, na ilustração. "É uma coisa que gosto de fazer, mas é também o meu sustento", confessa o realizador-desenhador, que tem trabalhado para as editoras Caminho (livros de Alice Vieira e Ana Saldanha) e Âmbar (principalmente livros de Maria Teresa dos Santos Silva), mas também para revistas como a Elle ou a Cosmopolitan.
O desenho é, aliás, uma pulsão antiga na sua vida. Desde os tempos de estudante de Belas-Artes que José Miguel Ribeiro ocupa os tempos livres (e mortos) desenhando repetidamente nos pequenos cadernos sem linhas (da papelaria Fernandes). Acumulou já meia dúzia daquilo a que chama os seus "diários gráficos". "São cadernos que andam sempre comigo, e onde desenho e anoto coisas, sempre que estou à espera de alguma coisa, ou ando em viagem: desenho o que está à minha frente ou o que me vem à ideia", diz. Esses "diários gráficos" constituem, aliás, o fio condutor da exposição patente na Casa da Animação, fazendo a ligação entre os bonecos, os desenhos e os story-boards dos seus filmes.
O projecto em que Ribeiro trabalha actualmente é uma nova curta-metragem, Passeio de Domingo, novamente com argumento de Virgílio Almeida e produção de Luís da Matta Almeida (os mesmos de A Suspeita). Para o desenvolvimento do projecto, Ribeiro teve já subsídio do ICAM, mas está ainda à espera de conseguir montar uma co-produção com a Holanda e a Bélgica, de que dependerá a concretização do filme. Entretanto, viveu uma experiência de dois meses em Cabo Verde - "fui lá porque senti a necessidade de parar, de reflectir sobre o futuro", - e veio de lá com mais uma série de cadernos cheios de desenhos. Não tem ainda nenhum projecto definido, mas Ribeiro diz que gostaria de "poder contar uma história com mais tempo; dar respiração às personagens...". Talvez uma longa-metragem, ou qualquer outra coisa que preencha o seu desejo de passar do desenho à animação. E que, definitivamente, lhe permita deixar de ser visto apenas como "o "gajo" que fez A Suspeita". ".

2006/06/14

VGM, "Os livros, pois"

Crónica no Diário de Notícias de 14 de Junho de 2006:
"Os livros, pois. Levar a população, sobretudo os jovens, a ler mais. Tornar obrigatória a leitura de um conjunto de livros para cada ano escolar. Em França, os miúdos do secundário são obrigados a ler sete a oito livros por ano, para além das matérias que integram a disciplina de Francês. E têm de falar deles nas aulas... E, como nota José Augusto Cardoso Bernardes, no seu recente e importante livro Como Abordar… a Literatura no Ensino Secundário/ /Outros Caminhos (ASA, 2006), a que tenciono voltar nesta coluna, "a Literatura é hoje menos prezada nas escolas portuguesas do que nas suas congéneres espanhola (…), francesa, inglesa ou italiana, para citar apenas os exemplos onde a presença no cânone escolar é mais forte".
A grande questão todavia desdobra-se em duas: quais os livros a indicar para leitura obrigatória em cada ano escolar? E como torná- -los disponíveis rapidamente, em termos de qualidade editorial mínima, cobertura do território e acessibilidade de preço?
O primeiro aspecto carece de uma reflexão aprofundada e evolutiva. Isabel Alçada e Teresa Calçada abordam-no em entrevista ao último JL/Educação. Quanto ao segundo, uma solução consistirá em pesquisar a oferta editorial corrente no mercado e organizar os programas de leitura em função dela. Outra, em deixar as coisas a cargo dos editores e não apenas dos de livros escolares. A terceira, possivelmente mais eficiente e mais barata, consistiria em o Ministério da Educação convencer os grandes jornais e as editoras de livros para quiosque a publicarem séries completas desses livros em formato de bolso, com grande tiragem, promoção e distribuição garantidas e preço muito baixo. Devidamente negociado e calibrado, um programa deste tipo poderia dar excelentes frutos.
Mas, numa altura em que se deplora o papel negativo da televisão no tocante à regressão alarmante dos hábitos de leitura, fará sentido falar do Plano Nacional de Leitura sem considerar o papel que a televisão e a rádio (tanto a de grande audiência como as rádios locais) podem e devem ter? Se há um serviço público de televisão, neste aspecto deveria haver uma ditadura implacável do Ministério da Educação sobre esse serviço público em todos os canais dependentes do Estado. Bastava que estes consagrassem à leitura, em horário nobre, a quinquagésima parte do tempo que dedicam ao futebol para se alterar o panorama desolador que enfrentamos... Eduardo Prado Coelho acaba de escrever um artigo notável sobre o que há de enjoativo e obsceno na overdose de futebol que nos é servida como pão nosso de cada dia. E, quanto aos canais privados, seria possível o Estado incluir como contrapartidas contratuais da concessão princípios que garantissem a contemplação devida dos interesses em questão.
Sem desvalorizar, muito pelo contrário, o mérito de programas como o de Francisco José Viegas e outros, é evidente que nem o problema do défice cultural (que implicaria também uma palavra mais forte do Ministério da Cultura na área do audiovisual) nem o problema da leitura se resolvem com um simples magazine semanal, emitido lá para as tantas, nem com micronotícias sobre a actividade editorial. Ao invés, e para dar só três exemplos, pode imaginar-se o êxito que teriam séries de programas sobre a Ilíada e a Odisseia, por Frederico Lourenço, sobre Os Lusíadas, por Amélia Pinto Pais, sobre Gil Vicente, por J. A. Cardoso Bernardes…, incitando à leitura a partir das aliciantes descobertas que poderiam proporcionar.
Os melhores recursos humanos e culturais da televisão deviam ser investidos com engenho e capacidade de sugestão numa acção continuada desse tipo, relegando-se o futebol para a uma ou as duas da manhã e passando a produzir-se, com a linguagem televisiva adequada, programas social e culturalmente úteis do ponto de vista específico e prioritário do Plano Nacional de Leitura, que ocupariam a vez dos concursos idiotas e da tralha imunda que é habitual ver-se nos melhores blocos horários.
Afinal, num país de nível cultural medíocre e de nível escolar desgraçado, num país que se preocupa tanto em proibir o tabaco que acabará por fazê-lo ao nível da próprias retretes, não haverá ninguém que se preocupe em disciplinar, ao menos, a poluição dos espíritos no espaço público, abrindo segmentos televisivos e radiofónicos frequentes e adequados para coisas mais saudáveis e, sobretudo, escolarmente mais produtivas já no médio prazo?"

2006/06/02

Plano Nacional de Leitura no "Público"

"Alunos da pré-primária e 1º ciclo vão ler uma hora por dia na aula

O Governo definiu um período exacto e obrigatório para as crianças lerem na sala de aula. O Plano Nacional de Leitura foi aprovado ontem em Conselho de Ministros e apresentado por três ministros. A leitura é uma "prioridade política". E "treina-se" - como nadar ou andar de bicicleta. Por Isabel Salema

No próximo ano lectivo, os alunos da pré-primária e do 1º ciclo vão passar a ler livros, todos os dias, durante uma hora, na sala de aula. Os mais velhos, do 2º ciclo, também vão ter um período obrigatório só para ler - uma vez por semana, 45 minutos.
São três propostas do Plano Nacional de Leitura, aprovado ontem em Conselho de Ministros, e segundo explicou a sua comissária, a escritora e professora Isabel Alçada, "é a sua parte de leão".
Por ser uma "prioridade política" e "desígnio nacional", o Plano Nacional de Leitura foi apresentado, em conferência de imprensa, na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, por três ministros: da Educação, da Cultura e dos Assuntos Parlamentares. A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, disse que é "ambição" do Governo que essa prioridade política "se torne prioridade de toda a sociedade portuguesa".
O plano "surge num encadeado já longo de medidas políticas, num esforço persistente do país", disse a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que tem a responsabilidade do plano em articulação com os outros dois ministérios. Em 2007, lembrou, a rede de bibliotecas municipais faz 20 anos e a rede de bibliotecas escolares tem 10. O plano quer "tirar partido destas infra-estruturas e acrescentar dinâmicas", continuou. Foi, aliás, pedido "pelas próprias pessoas que trabalham no terreno".
Porque é que ler na sala de aula é tão importante? Porque, sublinhou a ministra da Educação, "as competências em leitura são decisivas para o sucesso escolar" e têm de ser adquiridas "de forma segura". E daí, justificou, "o foco nas idades iniciais".

Leitura orientada
"Pedimos uma hora diária de leitura orientada, o que significa que as crianças tenham também um livro por onde sigam o professor. Um livro para cada um, ou um para cada dois", explicou Isabel Alçada, professora na Escola Superior de Educação e autora de livros infanto-juvenis (ver caixa). "Não é só ouvir ler. O professor assegura que o livro é mesmo lido, porque o faz na sala de aula", continua, acrescentando que no pré-escolar é importante que as crianças observem o livro, as ilustrações, mas também o texto.
Teresa Calçada, vice-comissária do plano e coordenadora do Gabinete da Rede das Bibliotecas Escolares, diz que foi feito "um trabalho fantástico" com a rede, que no final de 2006 deverá ter cerca de 1800 bibliotecas, mas é preciso dar o passo seguinte. "Assegurar que os livros entram no quotidiano da sala de aula", afirma Isabel Alçada, criando hábitos de leitura o mais cedo possível. "Porque a leitura treina-se, é performativa, é como nadar ou andar de bicicleta."
Segundo a ministra da Educação, nas próximas semanas, o Governo vai enviar às escolas orientações sobre a concretização do programa do 1º ciclo na sala de aula. Aí, estará integrada a hora diária dedicada à leitura, que aparecerá no tempo atribuído ao Português curricular. No caso do 2º ciclo, os 45 minutos aparecerão na disciplina de Português, disse Isabel Alçada.

Listas de 600 livros sai em breve
O site do plano, que deverá estar disponível daqui a um mês, vai pôr à disposição dos professores várias listas com cerca de 600 livros, organizadas por níveis de dificuldade, para os diferentes anos de escolaridade. Há 18 níveis entre o 1º e o 6º ano, com três por ano, e um nível para o pré-escolar. "São quase 600 livros e vão estar sempre a ser actualizados. É para estimular a progressão, para os professores terem um quadro e poderem escolher com apoio", diz Isabel Alçada. "Não vamos dar nenhuma receita", diz Teresa Calçada. "É um conjunto de possibilidades de trabalho. Vamos dar um quadro de referência que permita escolher e inventar", afirma Alçada.
Estes livros, dizem ambas, vão começar a ser fornecidos às escolas. "Há meios para equipar as escolas com livros para a leitura orientada", diz Teresa Alçada. Há também listas com sugestões para os pais, porque o plano quer chegar à família.
Maria de Lurdes Rodrigues esclareceu que na primeira fase de arranque do plano está previsto um investimento entre um e dois milhões de euros para as solicitações das escolas. "Precisávamos de muito mais, do triplo", disse a ministra que, juntamente com as comissárias, tem a expectativa de encontrar mecenas e patrocínios para o plano.
O plano tem várias outras medidas, tendo esclarecido a ministra da Cultura que no âmbito do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB) está previsto um reforço das acções de promoção da leitura, como o Programa de Itinerâncias Culturais que anima as bibliotecas públicas. Essa maior "densidade" vai significar um investimento de 400 mil euros em 2007.
José Manuel Cortez, que foi destacado do IPLB para trabalhar no plano, diz que um dos objectivos "é tentar estabelecer no terreno, com competências definidas, uma rede de promotores e animadores da leitura", em articulação com o Ministério da Educação.
A comissão do Plano Nacional de Leitura vai funcionar no Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares, do Ministério da Educação. "A comissão coordena os serviços dos três ministérios", explica Isabel Alçada. Os serviços são o Gabinete da Rede das Bibliotecas Escolares, o IPLB e o Instituto da Comunicação Social. Nesta estrutura, além de Isabel Alçada, vão trabalhar Teresa Calçada (Rede de Bibliotecas Escolares), Teresa Gil, José Manuel Cortez, também do IPLB, e Alexandra Lorena, do Instituto de Comunicação.
O sonho desta equipa é que surjam em Portugal associações e ONG dedicadas à promoção da leitura. E deixam uma pergunta: porque é que os pais não se associam e compram vários livros iguais e os oferecem às escolas?

A "comissária da leitura"


A comissária do Plano Nacional de Leitura, Isabel Alçada, 56 anos, tornou-se conhecida do grande público através da colecção infanto-juvenil Uma Aventura, assinada em parceria com Ana Maria Magalhães, desde 1982 (48 títulos). Com um mestrado em Análise Social da Educação na Universidade de Boston (EUA), preparou o doutoramento na Universidade de Liège (Bélgica). Leccionou Português e História no 2.º ciclo do ensino básico (1975 a 1984) e participou activamente na Reforma do Ensino Secundário em 1975/76. É professora na Escola Superior de Educação de Lisboa. R.P.


A criadora da rede das bibliotecas escolares


Teresa Calçada, 53 anos, a vice-comissária do plano, é coordenadora do Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares no Ministério da Educação, onde fica a funcionar a estrutura do Plano Nacional de Leitura. Foi convidada em 1996 para criar uma rede de bibliotecas escolares. Vinha da vice-presidência do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, onde fez parte do grupo de trabalho que levou à criação da rede de bibliotecas municipais. I.S.


22% dos alunos portugueses só dominam competências básicas da leitura

Os resultados globais não são tão maus quanto na Matemática, mas em relação à leitura são muitos os alunos portugueses de 15 anos que só têm o mais elementar nível de competências, concluiu a última edição (2003) do Programme for International Student Assessment (PISA), o maior estudo internacional sobre o desempenho educativo dos jovens, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e citado no relatório do Plano Nacional de Leitura apresentado ontem. Aplicados os testes, verificou-se que 22 por cento dos alunos fica pelo nível 1 (numa escala até 5), o que significa que esses estudantes não têm as capacidades mais básicas que o PISA quer medir ou se ficam pelas tarefas elementares, como reconhecer o tema principal do texto. O desempenho médio só não é pior por causa das raparigas. Quase 30 por cento dos rapazes não vão além do nível 1. Com as raparigas acontece com 15 por cento. Grécia, Itália e Espanha também têm resultados preocupantes. Isabel Leiria


Saramago diz que estímulo à leitura é "inútil"

Lusa

O prémio Nobel da Literatura José Saramago questionou a utilidade de o Estado estimular a leitura e disse que o "voluntarismo não vale a pena, é inútil" numa área que "sempre foi e será coisa de uma minoria", disse quarta-feira à noite num debate na Biblioteca Municipal de Oeiras. "Não vamos exigir a todo o mundo a paixão pela leitura." Saramago disse desconhecer o conteúdo do Plano Nacional de Leitura (PNL), de cuja comissão de honra faz parte (com mais 100 pessoas) por ser "uma fatalidade, como as bexigas", por causa do Nobel. Sobre o PNL disse apenas que "há dinheiro para gastar", mas resta "esperar para ver que resultados". "O estímulo à leitura é uma coisa estranha, não deveria ter que haver outro estímulo além da necessidade de um instrumento que permita conhecer." "Mal vão as coisas quando é preciso estimular", defendeu, contrapondo que "ninguém precisa de estímulos para se entusiasmar com o futebol". Ontem, a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, disse: "Discordo e acho que Saramago está a falar de um qualquer plano de leitura e não deste." Mais tarde, disse: "Estamos certos que [Saramago] vai colaborar."


Livros gratuitos para todos os bebés britânicos


Cerca de 90 por cento das crianças que nascem na Grã-Bretanha recebem hoje, gratuitamente, um conjunto de livros infantis. O programa Bookstart, iniciativa nacional da organização independente de solidariedade Booktrust, consiste em dar a cada bebé nascido no país livros que estimulem as suas capacidades de leitura e aprendizagem da língua e guias orientadores de leitura para os pais e tutores. O projecto, único no mundo, liga a família, as bibliotecas e os serviços de saúde: os livros são entregues na consulta dos 7-9 meses da criança, com informação sobre as actividades da biblioteca local. Além do primeiro conjunto de livros (Bookstart), a Booktrust tem outros programas: o Bookstart Plus, para crianças a partir dos 18 meses, o My Bookstart Treasure Chest, para crianças a partir dos 3 anos. O Bookstar Rhymetimes, organizado por maternidades e bibliotecas, cria jogos com rimas, música e ritmo. Para crianças cegas e com problemas de visão até aos 4 anos, esta organização de Londres criou o Booktouch, para criar uma ligação física com os livros. Este conjunto traz, além dos livros, informação sobre como incentivar a leitura nestas crianças. As actividades e distribuição dos livros são feitas localmente, com a colaboração da biblioteca e estruturas locais de educação e saúde. Inês Calado Saraiva"