2005/12/18

Nova edição de Aquilino

"Autor de obras como Jardim das Tormentas (1913), Terras do Demo (1919), Cinco Réis de Gente (1948) ou Quando os Lobos Uivam (1959), foi com Romance da Raposa (1924) que Aquilino Ribeiro ganhou notoriedade junto do público juvenil. A Bertrand Editora recuperou as ilustrações originais de Benjamin Rabier para uma nova edição do romance, mas desta vez os desenhos surgem a cores, de onde se realça o verde do bosque frondoso onde Salta-Pocinhas vive as suas aventuras. A linguagem, essa, é a mesma de sempre com expressões que não cedem com o tempo. Exemplo? "Quem não trabuca não manduca." Preço de capa 25 euros."

"Da fábula de Aquilino Ribeiro ao testemunho crítico medieval"

Ainda citando o Diário de Notícias: ""Havia três dias e três noites que a Salta-Pocinhas - raposeta matreira, fagueira, lambisqueira - corria os bosques, farejando, batendo ma-to, sem conseguir deitar a unha a outra caça além duns míseros gafanhotos, nem atinar com abrigo em que pudesse dormir um soninho descansado." É desta forma sugestiva que o escritor português Aquilino Ribeiro inicia a sua versão de O Romance da Raposa (edição da Bertrand), clássico juvenil que se encontra editado com ilustrações de Benjamin Rabier. E é no registo da fábula bucólica descomprometida, aligeirada por diálogos típicos da Beira Alta natal (o escritor nasceu na aldeia de Carregal, em 1895) que a obra fez história a partir da misteriosa raposa, nascida e criada vários séculos antes desta publicação.

Tal como o percurso sinuoso da raposa Salta-Pocinhas pelo bosque, a origem desta história não é consensual, mas sabe-se que a personagem surgiu entre os séculos XII e XIII e é um dos primeiros exemplos de uma figura reincidente nos contos de tradição oral que transitou para as páginas dos primeiros livros populares na Idade Medieval. Le Roman de Renart (título original de O Romance da Raposa) não apareceu primeiro como prosa literária compilada por um escritor célebre. Foi antes produto de múltiplos versos octossilábicos que monges copistas produziram como forma de usar o comportamento arisco de animais para, daí, dar lições de moral e bons costumes a um povo analfabeto a essência da fábula.

O estilo algo superficial dos manuscritos encontrados (quase sempre com direito a ilustrações) descreve Salta-Pocinhas como um herói marginal e mais esperto que as restantes personagens animais - as mais conhecidas são Tibert, o gato, Noble, o leão, e Isengrip, o lobo. Os episódios, inspirados na obra Fábulas de Esopo, revelam cruzadas, ataques a castelos e desrespeito pela autoridade.

Segundo o ensaio A Novela da Idade Média, da autoria do professor catedrático brasileiro Ricardo Costa, a história de O Romance da Raposa, tal como da maioria das fábulas da época, tinha funções sociais relevantes e um carácter disciplinar. Além de ajudar a reconhecer o papel divino, o conto levava o leitor (ou, na maior parte dos casos, o ouvinte) a "unir-se às virtudes e a odiar os vícios", confrontar "opiniões erróneas", questionar a ordem e satirizar o dia-a-dia. Ainda segundo Ricardo Costa, "a utopia medieval fornecia um caminho para se chegar à perfeição", no entanto, "o importante não era saber se o andarilho chegaria a realizar o seu modelo utópico no fim da caminhada e sim tentar trilhar sempre o caminho escolhido".

E é isso que tanto o Salta-Pocinhas da obra de Aquilino Ribeiro como o Reinaldo do filme de animação que hoje chega às salas nacionais procuram fazer usar as artimanhas e a astúcia de uma raposa para procurar subir na vida.

No filme de Thierry Schiel, o protagonista tem, em particular, um bom coração, característica que justifica a sua ousadia e facilita o processo de identificação com os jovens espectadores ao qual o filme se destina. Mas, cerca de oito séculos depois, a essência das per- sonagens e das situações caricatas mantém-se. Tal como as histórias que ainda se contam sobre a raposa, matreira, e o lobo, ingénuo."

"Os esquimós de Vieira em viagem pelas estrelas"

Reproduzo do Diário de Notícias de 12 de Dezembro:



Edição

Os esquimós de Vieira em viagem pelas estrelas

'Kô e Kó, Os Dois Esquimós', ilustrado por Vieira da Silva, sai agora em Portugal

"É uma cabana de dois esquimós à procura do sol, viagem fantástica e interior na cauda de duas estrelas que descem suavemente sobre eles, como "dois elevadores dourados" com a luz virada de avesso. É também um livro para crianças, que se abre como um cenário de teatro, intitulado Kô e Kó, os Dois Esquimós. Com texto de Pierre Gueguen, conta com ilustrações de Vieira da Silva e acaba de ser publicado numa belíssima edição da Gótica com Michel Chandeigne. A tradução é de Joana Cabral.

Os mesmos desenhos da pintora, mestre na desmultiplicação do espaço e na sua fragmentação, estiveram expostos em Lisboa, na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, em 2001, lado a lado com a ilustração de Os Desastres de Sofia, da Condessa de Ségur, incluída num livro oferecido a Violante Canto da Maya, filha do escultor.

Kô e Kó surgem, em 1933, numa série de guaches de Vieira realizados para 14 páginas. O livro, publicado em França pela galerista Jeanne Bucher, numa tiragem de 300 exemplares - dos quais 12 eram acompanhados, cada um, de um original, assinados e numerados -, integra duas pranchas com desenhos das personagens para o leitor recortar e poder montar.

Não será o pior método, este o de chegar a Vieira pelo lado dos livros que a pintora portuguesa, um dos nomes mais relevantes da Escola de Paris e do abstraccionismo lírico, ilustrou. Nesta sua faceta menos conhecida, detecta- -se o traço, a matéria visual, o processo de escrita. É ainda evidente uma poética do espaço e a explosão rítmica de formas e emoções.

Depois da guerra, Vieira da Silva participará no projecto Caderno de Juventude e "comentará" Zadig, de Voltaire, L'Oiseau Bleu, de Maeterlinck, ou Médico à Força, de Molière. Neste Kô e Kó, as árvores são, afinal, meninas com braços brancos, a terra parece um prato de farófias e as focas assustam os dois esquimós. A mão de Vieira dança, entretanto, por entre as letras como um anjo."

2005/12/01

Noddy e Enid Blyton

"Histórias de uma criança com 56 anos", por Ana Filipe Vieira

""Não estou aqui só para escrever histórias, por mais que goste de o fazer. Estou aqui para promover a amizade, a bondade, a lealdade e todas as coisas que as crianças devem aprender." Quem o afirmou foi Enid Blyton, que sempre quis mostrar que era possível entreter as crianças sem recorrer à violência. A avaliar pela afluência de pequenos espectadores à Casa da Música, no Porto, e a que se espera entre hoje e dia 4 no espectáculo Noddy Live no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, pode dizer-se que "A Máquina", alcunha pela qual a autora era conhecida no universo literário, foi bem sucedida.

Mas o êxito de Noddy (expressão que, em inglês, é usada para denominar alguém que está sempre a dizer que sim com a cabeça) não é um fenómeno recente. Corria o ano de 1949 quando a escritora de livros infanto-juvenis mais popular de todos os tempos publicou a primeira aventura deste personagem. Noddy Goes to Toyland (na foto, um exemplar da obra), assim se intitulou o livro ilustrado pelo cartunista dinamarquês Harmsen van der Beek, teve êxito imediato.

Durante os 56 anos que se seguiram, o "filho de madeira", de Enid Blyton, foi o melhor amigo de gerações e gerações de crianças, que descobriram com entusiasmo cada vez maior as inocentes aventuras do pequeno boneco, sempre importunado pelos malvados duendes Sonso e Mafarrico e "salvo" pelos amigos Orelhas e Senhor Lei.

O período mais conturbado da vida de Noddy, baptizado em França (o primeiro país a traduzir os livros de Blyton) de "Oui-Oui", remonta à década de 60. Na sequência das críticas às obras da escritora britânica, acusada de banalidade, snobismo e xenofobia - os vilões da colecção de livros de aventuras Os Cinco são sempre estrangeiros - surgiu uma campanha anti-Noddy, que apontava o dedo ao famoso habitante da Cidade dos Brinquedos e ao seu amigo e mentor Orelhas, apelidando-os de "perversos". As razões prendiam-se com o facto de viverem juntos.

Foram essencialmente os bibliotecários de vários países que se manifestaram contra as publicações. Durante algum tempo, juntaram-se para protagonizarem cerimoniais onde queimavam os livros do Noddy, cuja venda acabou mesmo por ser proibida em Inglaterra, na Austrália e na Nova Zelândia. Nos anos 70, o personagem negro que integrava as histórias e que dava pelo nome de Gollywog foi retirado das narrativas - sob a acusação de fomentar o racismo - e as odisseias do Noddy e dos seus companheiros regressaram às estantes daqueles países.

Apesar do "incidente", a popularidade do boneco não foi perturbada e Enid Blyton resolveu não dar importância "a críticos com mais de 12 anos".

Desde então, Noddy e o seu mundo mágico não mais pararam de angariar novos adeptos em todo o mundo, justificando o nascimento e crescimento de uma infindável gama de produtos com e sobre o rapaz promotor da honestidade e da benevolência. Dos livros que apresentam desenhos para pintar aos autocolantes reutilizáveis, passando pelos brinquedos e pelos jogos (existem muitos mais do que quaisquer outros com um boneco inglês), pela banda desenhada, pela Sétima Arte (o primeiro e único filme, Noddy In Toyland, foi realizado em 1957 por Maclean Rogers), pelos DVD e CD, pelos toques e capas para os telemóveis, pelas peças de vestuário e pelos acessórios, muitos são os indícios de sucesso do menino idealizado por Enid Blyton.

Mas foram as séries de televisão, as mais recentes a três dimensões e quase todas destinadas a crianças dos três aos sete anos, que contribuíram para o incremento da fama do brinquedo. Quando os EUA aderiram a esta "febre", há apenas cerca de oito anos, foram encomendados os livros da escritora adaptados do inglês para o estilo de linguagem americana e acompanhados por uma produção televisiva da BBC Worldwide. Esta teve direito à maior verba que a cadeia britânica deu, até então, a um programa infantil.

E, para quem não sabe, fica a advertência em terras nacionais, o Noddy pode ser acompanhado através do canal 2:, que exibe, de segunda a sexta-feira, no espaço Zig Zag (19.45), Abram Alas para o Noddy. Esta série transporta para o pequeno ecrã as provações originais que a "mãe" Blyton criou para o herói de palmo e meio.

Produzida desde 2001 pela dupla Paul Sabella e Jonathan Dern, Make Way for Noddy (título original) recorre a efeitos visuais conseguidos através de imagens computorizadas, tornando as histórias ainda mais atractivas para as futuras gerações de crianças."


"A 'pop star' dos mais pequenos", por Ricardo Araújo Fonseca

"Quando Noddy entrou na sala 1 da Casa da Música, já o espectáculo decorria há alguns minutos, dir-se-ia estarmos perante uma pop star. Uma estridência absoluta de centenas de crianças, que esticavam os braços e o chamavam, com uma ansiedade que recordava aparições públicas de outras mega-estrelas da actualidade. Quanto ao boneco, saído do famoso táxi colorido que sempre o acompanha, abriu efusivamente os braços e gritou "Olááá!", sendo necessário proteger os ouvidos no momento seguinte, quando a jovem plateia devolveu em uníssono aquela saudação.


Este estrondo do primeiro espectáculo Noddy em Portugal (e o primeiro fora de Inglaterra, país natal da personagem) era já previsível, tendo em conta a romaria que se formou junto à Casa da Música, mal começaram a ser vendidos os bilhetes. Com uma fila que se esticou até à Rotunda da Boavista, rapidamente desapareceram os 15 mil ingressos disponíveis para os espectáculos que se realizaram entre 23 e 27 de Novembro, tendo a Câmara do Porto adquirido duas plateias completas para oferecer a oportunidade a crianças desfavorecidas. No total, estima-se que, entre os espectáculos de Porto e Lisboa (que se iniciam hoje, no Pavilhão Atlântico, com apresentações até 4 de Dezembro), sejam vendidos cerca de 65 mil bilhetes, sendo que o número de espectadores poderá ser superior, contabilizando-se as crianças com menos de três anos.

Preparado desde o início de 2005, o Noddy Live implicou a vinda de dois camiões ingleses, a que se juntaram mais dois portugueses, para transportarem toda a maquinaria necessária ao espectáculo. Também de Inglaterra vieram os actores que deram vida aos bonecos da Cidade dos Brinquedos, apesar das suas vozes pertencerem a conhecidos cantores portugueses. Miguel Ângelo, dos Delfins, empresta a voz ao Orelhas; Miguel Gameiro, dos Pólo Norte, ao Sr. Lei; Rita Reis, das Non Stop, à Dina; enquanto o Noddy recebe a voz de Ana Luís.

Riquíssimo em efeitos sonoros e de luz, o espectáculo apresenta-nos mais uma aventura de Noddy na Cidade dos Brinquedos. Há uma máquina do tempo, inventada pelo Sr. Faísca, que é roubada pelos duendes Sonso e Mafarrico, que com ela pretendem arruinar a "feira dos raios de sol", onde abundam as guloseimas e os presentes. Noddy vê-se envolvido na tramóia dos duendes e acaba por ser preso, sendo detido numa curiosa penitenciária em forma de capacete de polícia inglês (os Bobbys). Dividido nos seus sentimentos, o boneco interpela as crianças, pedindo-lhes conselhos sobre o que há-de fazer. E novamente ribombam as suas vozes, atropelando-se em sugestões e em palpites. Um dos trunfos do espectáculo é esta interacção permanente, incitando-se os miúdos a tomar partido e a participarem em coreografias nos momentos musicais. As canções do Noddy são inseridas com frequência, servindo de remate aos diversos quadros da peça. E o cenário vai-se alterando conforme o lugar da acção. Finalmente, após muitos conselhos e trapalhadas (o clima dentro do palco vai mudando ao sabor da vontade dos duendes, e ora chove, ora cai neve), Noddy resolve os seus dilemas e os habitantes da Cidade dos Brinquedos recuperam a máquina do tempo. Os duendes são perdoados e acabam também a festejar a "feira dos raios de sol". E, quando se despedem, há novamente histeria e mais uma vez nos lembramos de um concerto de música pop, com os miúdos desaustinados a pedirem encore.

O sucesso do espectáculo é compreensível pela celebridade do boneco e pela magnífica concepção do cenário, mas segundo Dan Colman, da Lemon (empresa que co-produziu o espectáculo com a Direcção de Educação e Investigação da Casa da Música), o grande segredo do Noddy é representar "valores universais" e apelar ao convívio e ao entendimento. "Os problemas resolvem-se através da comunicação, nunca através da violência, como noutros cartoons."
Feito de madeira, é amigo do seu amigo e adora conduzir um táxi vermelho e amarelo, que se faz ouvir com um sonoro "Pii! Pii!". Viaja muitas vezes de avião para visitar lugares distantes do País dos Brinquedos. Está sempre metido em sarilhos, especialmente porque os duendes Sonso e Mafarrico passam os dias a pregar-lhe partidas. Quando fica agitado, abana a cabeça, "accionando" o guizo que tem na ponta do seu chapéu azul."