2005/10/14

Ainda sobre Harry Potter

Continuamos o aqui iniciado:

Quando sai o próximo?

Maria João Caetano

Harry Potter e o Príncipe Misterioso, tradução portuguesa do sexto volume de Harry Potter, chega esta noite às livrarias, mas, por estes dias, J. K. Rowling já deve estar a alinhavar as páginas do sétimo e último livro da saga.Na única entrevista que concedeu a propósito do lançamento de Harry Potter and the Half-Blood Prince (entrevista feita por um fã, Owen Jones, e transmitida no canal inglês ITV a 17 de Julho), a autora revelou ter sentimentos ambíguos em relação ao anunciado final da série "Apesar de estar há 15 anos à espera deste momento, penso que será um choque", disse.Dividida entre a sensação de "dever cumprido" e o provável vazio que vai sentir por não ter de escrever mais sobre o pequeno feiticeiro, a escritora enfrentará, então, um desafio porventura maior do que o de criar o universo fantástico por onde se move Potter mostrar ao mundo que existe para além do fenómeno que a tornou popular e que o seu talento não se esgota com Potter. Desde 1997, data de edição de Harry Potter e a Pedra Filosofal, que J. K. Rowling deixou de dar aulas para se dedicar inteiramente à escrita. Fã de Jane Austen e admiradora de autores como E. Nesbit, Dodie Smith ou C. S. Lewis, Row-ling tornou-se a escritora preferida dos jovens de todo o mundo. Cada livro vende mais do que o anterior, gera mais expectativas e é acompanhado por uma campanha de marketing sempre mais original. 24 horas depois de ter sido lançado, tinham sido vendidos 6,9 milhões de exemplares de Harry Potter and the Half-Blood Prince nos Estados Unidos e mais de dois milhões no Reino Unido. Portugal. Por cá, os números também são surpreendentes. O primeiro Harry Potter chegou às lojas com uma modesta primeira edição de dez mil exemplares. Para o Príncipe Misterioso, a editora anuncia "a maior edição de sempre em Portugal" 150 mil exemplares estarão esta noite à venda por 19 euros . Alguns dos que vão comprar agora a versão portuguesa terão já lido a versão original: nove mil exemplares de Harry Potter and the Half- -Blood Prince foram vendidos em Portugal no primeiro fim-de-semana (15-17 de Julho). A FNAC garante que até agora, em todas as suas lojas, se terão vendido pelo menos dez mil exemplares do sexto livro em inglês. Não admira, portanto, que a livraria virtual Amazon.com tenha recentemente eleito Rowling como a autora que mais vende - mesmo se comparada com outros grandes sucessos (como Dan Brown) ou com clássicos (como Shakespeare). Estratégia. Além dos livros, há os filmes, os jogos de vídeo e até os discos. Lançada a 22 de Agosto, a edição áudio de Harry Potter and the Half-Blood Prince, com voz de Stephen Fry, tem uma duração superior a 21 horas, mas isso não parece ter afastado os fãs mais de dois milhões de cópias foram vendidos só no primeiro dia.De acordo com Stephen Brown (no livro Wizard! Harry Potter Brand's Magic) a marca Harry Potter é tão reconhecida quanto o símbolo da Nike ou os arcos dourados da McDonald's. O que se traduz, obviamente, em dinheiro. Na sua declaração de IRS de 2003, J. K. Rowling anunciava ter ganho seis vezes mais do que a rainha de Inglaterra e, de acordo com a listagem anual da revista Forbes, a sua fortuna está agora avaliada em qualquer coisa como mil milhões de dólares.Ao mesmo tempo que surgem discussões sobre se Harry Potter se vai tornar um "clássico" da literatura infanto-juvenil, como Peter Pan, Robinson Crusoé e Huckleberry Finn, ou se a sua autora vai conquistar um lugar na história da literatura, ao lado de Robert Dahl ou Enid Blyton, a maioria dos críticos prefere sublinhar todo o lado publicitário associado aos livros e que parece mesmo contaminar a estratégia criativa da autora.Veja-se, por exemplo, o facto de a publicação dos novos livros estar sempre envolta no maior secretismo. Os fãs que fazem filas nos lançamentos estão ansiosos por saber o que vai acontecer e ninguém tem acesso à história antes de ela estar nos escaparates. J. K. Rowling gosta de dizer que não se trata de um capricho ou de uma qualquer estratégia de marketing. "Não ganho nada a não ser a satisfação de saber que os leitores ficam contentes com isto. Acredito verdadeiramente que 99,9 por cento dos meus leitores preferem ler os livros e descobrir eles mesmos o que vai acontecer." Pode até ser, mas, para garantir a avidez dos leitores, ao contrário do que aconteceu nos três primeiros livros, onde as histórias eram bem resolvidas, a partir do quarto volume J. K. Rowling termina cada livro deixando propositadamente muitas perguntas por responder e enigmas por resolver. Esta estratégia é particularmente visível no Príncipe Misterioso, considerado por muitos críticos (e até pelos fãs) como um dos mais fracos da série. É o caso de John Mullen, que escreveu nas páginas do The Guardian que Rowling "está tão concentrada na concepção da série que a narrativa deste livro específico deixou de ser uma preocupação". Ou Henry Sutton, do Daily Mirror "O enredo parece ter como único objectivo lançar as fundações para o sétimo e último volume." Do ponto de vista comercial, a estratégia não podia ser melhor: depois de ler Harry Potter e o Príncipe Misterioso, a pergunta que se impõe é "Quando sai o próximo?"
A feitiçaria é velha, as paixões são novas
Susana Salvador
Harry Potter e o Príncipe Misterioso tem tudo o que os cinco livros anteriores têm feitiços, poções, Quidditch, mistérios, duelos, mortes... Mas tem também algo que até agora tinha sido mais ou menos contido hormonas, muitas hormonas. O novo livro de J. K. Rowling transborda de romance - afinal, Harry Potter é já um adolescente de 16 anos, ao qual só faltam problemas com as borbulhas. Hogwarts ainda não é o Colégio da Barra da série Morangos com Açúcar, mas uma cena de ciúmes é sempre uma cena de ciúmes, seja no mundo da feitiçaria ou no dos muggles. Para os fãs, contudo, o romance não atrapalha - J. K. Rowling tem o mérito de conseguir criar uma personagem que cresce verdadeiramente de livro para livro, e com a qual os leitores que acompanham esse crescimento se podem identificar. Os problemas de identidade ou as dúvidas amorosas são universais, ultrapassando o mundo fantástico criado pela escritora inglesa em Hogwarts. O que mais importa aos fãs é mesmo encontrar as respostas para as muitas questões deixadas em aberto nos outros livros da série. Mas Rowling não quer desvendar o grande mistério antes do próximo e último livro, levantando o véu apenas sobre o essencial para manter mais uma vez o leitor atento da primeira à última página, e deixando no ar muitas mais questões. A vontade quando se acaba de ler Harry Potter e o Príncipe Misterioso é ir a correr à loja comprar o próximo (o que muito deve agradar aos editores)... mas ainda é preciso esperar. Para já, os fãs podem apenas descobrir quem é o "Príncipe Misterioso". Uma tradução de Half- -Blood Prince - expressão que anteriormente foi traduzida literalmente por "meio-sangue" ou "mestiço" -, que não agrada a todos os fãs. O desejo de não usar uma expressão com conotações discriminatórias, para a qual a própria Rowling alertou, pode ser de saudar, mas a solução encontrada não faz jus ao livro.Numa altura em que não precisa mais cativar o leitor para o universo fantástico de Harry Potter - os fãs já estão rendidos -, Rowling não perde, contudo, o rigor aos pormenores do mundo que inventou e que não pára de reinventar. Feitiços simples como Expelliarmus ou Petrificus totalus já são banais no léxico potteriano, mas surgem no sexto livro lado a lado com o mortal Sectumsempra. O que os fãs querem agora saber é qual será o feitiço mortal usado na derradeira batalha que se espera entre Harry Potter e Voldemort.Esta crítica foi efectuada a partir da versão original do livro.
Harry potter e o príncipe misteriosoAutor. J. K. Rowling
Editora. Editorial Presença
Páginas. 512
Preço. 19