O Governo definiu um período exacto e obrigatório para as crianças lerem na sala de aula. O Plano Nacional de Leitura foi aprovado ontem em Conselho de Ministros e apresentado por três ministros. A leitura é uma "prioridade política". E "treina-se" - como nadar ou andar de bicicleta. Por Isabel Salema
No próximo ano lectivo, os alunos da pré-primária e do 1º ciclo vão passar a ler livros, todos os dias, durante uma hora, na sala de aula. Os mais velhos, do 2º ciclo, também vão ter um período obrigatório só para ler - uma vez por semana, 45 minutos.
São três propostas do Plano Nacional de Leitura, aprovado ontem em Conselho de Ministros, e segundo explicou a sua comissária, a escritora e professora Isabel Alçada, "é a sua parte de leão".
Por ser uma "prioridade política" e "desígnio nacional", o Plano Nacional de Leitura foi apresentado, em conferência de imprensa, na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, por três ministros: da Educação, da Cultura e dos Assuntos Parlamentares. A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, disse que é "ambição" do Governo que essa prioridade política "se torne prioridade de toda a sociedade portuguesa".
O plano "surge num encadeado já longo de medidas políticas, num esforço persistente do país", disse a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que tem a responsabilidade do plano em articulação com os outros dois ministérios. Em 2007, lembrou, a rede de bibliotecas municipais faz 20 anos e a rede de bibliotecas escolares tem 10. O plano quer "tirar partido destas infra-estruturas e acrescentar dinâmicas", continuou. Foi, aliás, pedido "pelas próprias pessoas que trabalham no terreno".
Porque é que ler na sala de aula é tão importante? Porque, sublinhou a ministra da Educação, "as competências em leitura são decisivas para o sucesso escolar" e têm de ser adquiridas "de forma segura". E daí, justificou, "o foco nas idades iniciais".
Leitura orientada
"Pedimos uma hora diária de leitura orientada, o que significa que as crianças tenham também um livro por onde sigam o professor. Um livro para cada um, ou um para cada dois", explicou Isabel Alçada, professora na Escola Superior de Educação e autora de livros infanto-juvenis (ver caixa). "Não é só ouvir ler. O professor assegura que o livro é mesmo lido, porque o faz na sala de aula", continua, acrescentando que no pré-escolar é importante que as crianças observem o livro, as ilustrações, mas também o texto.
Teresa Calçada, vice-comissária do plano e coordenadora do Gabinete da Rede das Bibliotecas Escolares, diz que foi feito "um trabalho fantástico" com a rede, que no final de 2006 deverá ter cerca de 1800 bibliotecas, mas é preciso dar o passo seguinte. "Assegurar que os livros entram no quotidiano da sala de aula", afirma Isabel Alçada, criando hábitos de leitura o mais cedo possível. "Porque a leitura treina-se, é performativa, é como nadar ou andar de bicicleta."
Segundo a ministra da Educação, nas próximas semanas, o Governo vai enviar às escolas orientações sobre a concretização do programa do 1º ciclo na sala de aula. Aí, estará integrada a hora diária dedicada à leitura, que aparecerá no tempo atribuído ao Português curricular. No caso do 2º ciclo, os 45 minutos aparecerão na disciplina de Português, disse Isabel Alçada.
Listas de 600 livros sai em breve
O site do plano, que deverá estar disponível daqui a um mês, vai pôr à disposição dos professores várias listas com cerca de 600 livros, organizadas por níveis de dificuldade, para os diferentes anos de escolaridade. Há 18 níveis entre o 1º e o 6º ano, com três por ano, e um nível para o pré-escolar. "São quase 600 livros e vão estar sempre a ser actualizados. É para estimular a progressão, para os professores terem um quadro e poderem escolher com apoio", diz Isabel Alçada. "Não vamos dar nenhuma receita", diz Teresa Calçada. "É um conjunto de possibilidades de trabalho. Vamos dar um quadro de referência que permita escolher e inventar", afirma Alçada.
Estes livros, dizem ambas, vão começar a ser fornecidos às escolas. "Há meios para equipar as escolas com livros para a leitura orientada", diz Teresa Alçada. Há também listas com sugestões para os pais, porque o plano quer chegar à família.
Maria de Lurdes Rodrigues esclareceu que na primeira fase de arranque do plano está previsto um investimento entre um e dois milhões de euros para as solicitações das escolas. "Precisávamos de muito mais, do triplo", disse a ministra que, juntamente com as comissárias, tem a expectativa de encontrar mecenas e patrocínios para o plano.
O plano tem várias outras medidas, tendo esclarecido a ministra da Cultura que no âmbito do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB) está previsto um reforço das acções de promoção da leitura, como o Programa de Itinerâncias Culturais que anima as bibliotecas públicas. Essa maior "densidade" vai significar um investimento de 400 mil euros em 2007.
José Manuel Cortez, que foi destacado do IPLB para trabalhar no plano, diz que um dos objectivos "é tentar estabelecer no terreno, com competências definidas, uma rede de promotores e animadores da leitura", em articulação com o Ministério da Educação.
A comissão do Plano Nacional de Leitura vai funcionar no Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares, do Ministério da Educação. "A comissão coordena os serviços dos três ministérios", explica Isabel Alçada. Os serviços são o Gabinete da Rede das Bibliotecas Escolares, o IPLB e o Instituto da Comunicação Social. Nesta estrutura, além de Isabel Alçada, vão trabalhar Teresa Calçada (Rede de Bibliotecas Escolares), Teresa Gil, José Manuel Cortez, também do IPLB, e Alexandra Lorena, do Instituto de Comunicação.
O sonho desta equipa é que surjam em Portugal associações e ONG dedicadas à promoção da leitura. E deixam uma pergunta: porque é que os pais não se associam e compram vários livros iguais e os oferecem às escolas?
A "comissária da leitura"
A comissária do Plano Nacional de Leitura, Isabel Alçada, 56 anos, tornou-se conhecida do grande público através da colecção infanto-juvenil Uma Aventura, assinada em parceria com Ana Maria Magalhães, desde 1982 (48 títulos). Com um mestrado em Análise Social da Educação na Universidade de Boston (EUA), preparou o doutoramento na Universidade de Liège (Bélgica). Leccionou Português e História no 2.º ciclo do ensino básico (1975 a 1984) e participou activamente na Reforma do Ensino Secundário em 1975/76. É professora na Escola Superior de Educação de Lisboa. R.P.
A criadora da rede das bibliotecas escolares
Teresa Calçada, 53 anos, a vice-comissária do plano, é coordenadora do Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares no Ministério da Educação, onde fica a funcionar a estrutura do Plano Nacional de Leitura. Foi convidada em 1996 para criar uma rede de bibliotecas escolares. Vinha da vice-presidência do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, onde fez parte do grupo de trabalho que levou à criação da rede de bibliotecas municipais. I.S.
22% dos alunos portugueses só dominam competências básicas da leitura
Os resultados globais não são tão maus quanto na Matemática, mas em relação à leitura são muitos os alunos portugueses de 15 anos que só têm o mais elementar nível de competências, concluiu a última edição (2003) do Programme for International Student Assessment (PISA), o maior estudo internacional sobre o desempenho educativo dos jovens, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e citado no relatório do Plano Nacional de Leitura apresentado ontem. Aplicados os testes, verificou-se que 22 por cento dos alunos fica pelo nível 1 (numa escala até 5), o que significa que esses estudantes não têm as capacidades mais básicas que o PISA quer medir ou se ficam pelas tarefas elementares, como reconhecer o tema principal do texto. O desempenho médio só não é pior por causa das raparigas. Quase 30 por cento dos rapazes não vão além do nível 1. Com as raparigas acontece com 15 por cento. Grécia, Itália e Espanha também têm resultados preocupantes. Isabel Leiria
Saramago diz que estímulo à leitura é "inútil"
Lusa
O prémio Nobel da Literatura José Saramago questionou a utilidade de o Estado estimular a leitura e disse que o "voluntarismo não vale a pena, é inútil" numa área que "sempre foi e será coisa de uma minoria", disse quarta-feira à noite num debate na Biblioteca Municipal de Oeiras. "Não vamos exigir a todo o mundo a paixão pela leitura." Saramago disse desconhecer o conteúdo do Plano Nacional de Leitura (PNL), de cuja comissão de honra faz parte (com mais 100 pessoas) por ser "uma fatalidade, como as bexigas", por causa do Nobel. Sobre o PNL disse apenas que "há dinheiro para gastar", mas resta "esperar para ver que resultados". "O estímulo à leitura é uma coisa estranha, não deveria ter que haver outro estímulo além da necessidade de um instrumento que permita conhecer." "Mal vão as coisas quando é preciso estimular", defendeu, contrapondo que "ninguém precisa de estímulos para se entusiasmar com o futebol". Ontem, a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, disse: "Discordo e acho que Saramago está a falar de um qualquer plano de leitura e não deste." Mais tarde, disse: "Estamos certos que [Saramago] vai colaborar."
Livros gratuitos para todos os bebés britânicos
Cerca de 90 por cento das crianças que nascem na Grã-Bretanha recebem hoje, gratuitamente, um conjunto de livros infantis. O programa Bookstart, iniciativa nacional da organização independente de solidariedade Booktrust, consiste em dar a cada bebé nascido no país livros que estimulem as suas capacidades de leitura e aprendizagem da língua e guias orientadores de leitura para os pais e tutores. O projecto, único no mundo, liga a família, as bibliotecas e os serviços de saúde: os livros são entregues na consulta dos 7-9 meses da criança, com informação sobre as actividades da biblioteca local. Além do primeiro conjunto de livros (Bookstart), a Booktrust tem outros programas: o Bookstart Plus, para crianças a partir dos 18 meses, o My Bookstart Treasure Chest, para crianças a partir dos 3 anos. O Bookstar Rhymetimes, organizado por maternidades e bibliotecas, cria jogos com rimas, música e ritmo. Para crianças cegas e com problemas de visão até aos 4 anos, esta organização de Londres criou o Booktouch, para criar uma ligação física com os livros. Este conjunto traz, além dos livros, informação sobre como incentivar a leitura nestas crianças. As actividades e distribuição dos livros são feitas localmente, com a colaboração da biblioteca e estruturas locais de educação e saúde. Inês Calado Saraiva"
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