2006/06/14

VGM, "Os livros, pois"

Crónica no Diário de Notícias de 14 de Junho de 2006:
"Os livros, pois. Levar a população, sobretudo os jovens, a ler mais. Tornar obrigatória a leitura de um conjunto de livros para cada ano escolar. Em França, os miúdos do secundário são obrigados a ler sete a oito livros por ano, para além das matérias que integram a disciplina de Francês. E têm de falar deles nas aulas... E, como nota José Augusto Cardoso Bernardes, no seu recente e importante livro Como Abordar… a Literatura no Ensino Secundário/ /Outros Caminhos (ASA, 2006), a que tenciono voltar nesta coluna, "a Literatura é hoje menos prezada nas escolas portuguesas do que nas suas congéneres espanhola (…), francesa, inglesa ou italiana, para citar apenas os exemplos onde a presença no cânone escolar é mais forte".
A grande questão todavia desdobra-se em duas: quais os livros a indicar para leitura obrigatória em cada ano escolar? E como torná- -los disponíveis rapidamente, em termos de qualidade editorial mínima, cobertura do território e acessibilidade de preço?
O primeiro aspecto carece de uma reflexão aprofundada e evolutiva. Isabel Alçada e Teresa Calçada abordam-no em entrevista ao último JL/Educação. Quanto ao segundo, uma solução consistirá em pesquisar a oferta editorial corrente no mercado e organizar os programas de leitura em função dela. Outra, em deixar as coisas a cargo dos editores e não apenas dos de livros escolares. A terceira, possivelmente mais eficiente e mais barata, consistiria em o Ministério da Educação convencer os grandes jornais e as editoras de livros para quiosque a publicarem séries completas desses livros em formato de bolso, com grande tiragem, promoção e distribuição garantidas e preço muito baixo. Devidamente negociado e calibrado, um programa deste tipo poderia dar excelentes frutos.
Mas, numa altura em que se deplora o papel negativo da televisão no tocante à regressão alarmante dos hábitos de leitura, fará sentido falar do Plano Nacional de Leitura sem considerar o papel que a televisão e a rádio (tanto a de grande audiência como as rádios locais) podem e devem ter? Se há um serviço público de televisão, neste aspecto deveria haver uma ditadura implacável do Ministério da Educação sobre esse serviço público em todos os canais dependentes do Estado. Bastava que estes consagrassem à leitura, em horário nobre, a quinquagésima parte do tempo que dedicam ao futebol para se alterar o panorama desolador que enfrentamos... Eduardo Prado Coelho acaba de escrever um artigo notável sobre o que há de enjoativo e obsceno na overdose de futebol que nos é servida como pão nosso de cada dia. E, quanto aos canais privados, seria possível o Estado incluir como contrapartidas contratuais da concessão princípios que garantissem a contemplação devida dos interesses em questão.
Sem desvalorizar, muito pelo contrário, o mérito de programas como o de Francisco José Viegas e outros, é evidente que nem o problema do défice cultural (que implicaria também uma palavra mais forte do Ministério da Cultura na área do audiovisual) nem o problema da leitura se resolvem com um simples magazine semanal, emitido lá para as tantas, nem com micronotícias sobre a actividade editorial. Ao invés, e para dar só três exemplos, pode imaginar-se o êxito que teriam séries de programas sobre a Ilíada e a Odisseia, por Frederico Lourenço, sobre Os Lusíadas, por Amélia Pinto Pais, sobre Gil Vicente, por J. A. Cardoso Bernardes…, incitando à leitura a partir das aliciantes descobertas que poderiam proporcionar.
Os melhores recursos humanos e culturais da televisão deviam ser investidos com engenho e capacidade de sugestão numa acção continuada desse tipo, relegando-se o futebol para a uma ou as duas da manhã e passando a produzir-se, com a linguagem televisiva adequada, programas social e culturalmente úteis do ponto de vista específico e prioritário do Plano Nacional de Leitura, que ocupariam a vez dos concursos idiotas e da tralha imunda que é habitual ver-se nos melhores blocos horários.
Afinal, num país de nível cultural medíocre e de nível escolar desgraçado, num país que se preocupa tanto em proibir o tabaco que acabará por fazê-lo ao nível da próprias retretes, não haverá ninguém que se preocupe em disciplinar, ao menos, a poluição dos espíritos no espaço público, abrindo segmentos televisivos e radiofónicos frequentes e adequados para coisas mais saudáveis e, sobretudo, escolarmente mais produtivas já no médio prazo?"

Sem comentários: