2006/10/17

Kate DiCamillo: "A Lenda de Despereaux"

Aqui continua o texto de Carla Maia de Almeida:"[...] Durante anos, Kate DiCamillo disse a toda a gente que ia ser escritora. Durante anos, fez tudo o que podia para sobreviver, incluindo trabalhar num parque residencial de caravanas e vender cachorros-quentes. Tudo, menos escrever. O mais próximo que conseguiu foi um emprego na secção de literatura infantil de uma loja de livros em segunda mão. As razões do embargo criativo, velhas como a humanidade, resumiu-as à NM em poucas palavras: «Preguiça, medo, mais medo, mais preguiça. Triste, hã?».

Chega-se a um ponto em que a melhor maneira de transformar as coisas é torná-las insuportáveis, atirá-las para uma situação-limite onde a única fuga possível é para a frente. Pouco antes de fazer 30 anos, entre a incomodidade e a obsessão – e muitas leituras acumuladas desde o curso de inglês que concluíra na Universidade da Florida –, Kate DiCamillo começou finalmente a tentar escrever. Primeiro, histórias curtas, que enviava para as editoras e revistas, recebendo em troca respostas invariáveis com que inaugurou uma magnífica colecção de rejeições. Depois, com a ajuda de uma bolsa literária, uma dessas histórias cresceu para algo maior: Por Causa de Winn-Dixie, chamou-lhe.
Por Causa de Winn-Dixie, o livro, a vida começou a parecer-se com o que ela tinha imaginado. Um rafeiro com nome de supermercado (Winn-Dixie é uma cadeia de lojas muito popular no sul dos Estados Unidos) tornou-se protagonista de um conto que quis ser, segundo a autora, «um hino aos cães, à amizade e ao Sul». Mas podíamos acrescentar: aos livros, às mães e às pessoas autênticas que verdadeiramente nos inspiram. Publicado em 2000, pela Candlewick Press, ganhou mais de 40 prémios na área da literatura infanto-juvenil, atribuídos em dezenas de estados, desde a Califórnia a Nova Iorque. O reconhecimento estendeu-se aos tops de vendas e cruzou o Atlântico, provando que Kate DiCamillo não era só uma escritora do Sul dos Estados Unidos.
Gótico Americano
E, no entanto, ela é mesmo uma escritora do Sul dos Estados Unidos. Nascida em Filadélfia, em 1964, aos cinco anos mudou-se para a Florida, onde cresceu, estudou e descobriu a sua «família literária». Por Causa de Winn-Dixie, a que se seguiu A Libertação do Tigre, publicado em 2001, são livros por onde passa a sombra do Southern Gothic, estilo impulsionado por toda uma fina linhagem de escritores do Sul (grande parte deles, mulheres), sob a presença tutelar de William Faulkner: Carson McCullers, Eudora Welty, Tennessee Williams, Harper Lee, Flannery O’Connor, Truman Capote, só para citar alguns. Se o contexto é regional – pequenas comunidades assoladas pelo abandono, famílias em serena desagregação, as ruínas de um passado orgulhoso perdido na guerra civil… –, as questões em causa são da maior amplitude moral. O que ficou nos livros de Kate DiCamillo, retirado o excesso de violência e grotesco dessa herança literária, foi um certo imaginário do desconforto; mas um desconforto em busca da sua cura e redenção, capaz de resistir a forças adversas e, ainda assim, manter a sua integridade singular. Na linguagem da psicologia, dir-se-á, talvez, resiliência.
Na literatura para crianças e jovens há uma longa tradição de heróis resilientes, desde Oliver Twist e outras torturadas personagens dickensianas à extraordinária Matilde, da obra homónima de Roald Dahl. Em Por Causa de Winn-Dixie, a heroína é India Opal Buloni, uma menina de dez anos que vive com o pai, pregador religioso, numa velha trailer home – esse tipo de caravanas que representam a residência fixa de milhões de norte-americanos das classes desfavorecidas. India não tem mãe; ou é como se não tivesse, uma vez que esta abandonou a família quando India era ainda muito pequena. O tema das mães «desaparecidas» continua no livro seguinte, A Libertação do Tigre, onde um rapaz de 12 anos, Rob Horton, se confronta com a necessidade de enfrentar as emoções provocadas pela morte prematura da mãe, um recalcamento espelhado na alegoria do tigre enjaulado.
Se Kate DiCamillo já esclareceu em entrevistas que a mãe está viva e de boa saúde, também não faz segredo sobre o facto de o pai ter saído de casa quando ela tinha cinco anos, acontecimento que lhe marcou a história familiar e, é fácil de ver, a escrita. Não se pode dizer que as maiores figuras de referência saiam muito bem tratadas nos seus livros: se as mães desapareceram, por um motivo ou outro, os pais são emocionalmente limitados, absorvidos pelas suas ocupações ou pela luta diária da sobrevivência. Ainda assim, ela evita juízos fáceis, mostrando que as pessoas nunca são uma só coisa e temperando a complexidade dos sentimentos com humor e ternura.
Uma galeria de excêntricos
O contraponto afectivo a esta realidade pouco promissora é dado não só pelos animais, como por outras personagens capazes de criar laços genuínos de amizade – também elas assombradas pelos fantasmas da solidão. Em Por Causa de Winn-Dixie, temos Miss Franny Block, a velha senhora «casada» com a sua biblioteca; Gloria Dump, uma negra quase cega com um passado pouco ortodoxo; e Otis, que trabalha numa loja de animais e prefere a música às palavras. Em A Libertação do Tigre, há Willie May, cujas feições lembram a actriz Halle Berry, mas que limpa quartos no motel Estrela do Kentucky; e há, sobretudo, Sistina Bailey, uma menina esperta e orgulhosa do seu nome, revoltada por ter mudado de casa (“Esta é uma cidade parola e estúpida, com professores parolos e estúpidos. Ninguém nesta escola toda sequer sabe o que é a Capela Sistina.»), e que também vive com os seus «tigres» por libertar.
O que tem em comum esta irmandade de excêntricos e inadaptados, tão bem decalcada do imaginário do Sul profundo? Entregues a si próprios, carregam o peso das memórias vividas e o esquecimento da América super-desenvolvida; pertencem à estirpe dos sobreviventes, não dos vencedores predestinados. Acima de tudo, contam consigo mesmos para se salvarem. Lembram-se do que aconteceu em Nova Orleães? Foi mais ou menos assim.
E quanto à Lenda de Despereaux, «a história de um rato, uma princesa, uma colher de sopa e um carrinho de linhas»? Publicado nos Estados Unidos em 2003, vendeu um milhão de exemplares e recebeu o prestigiado prémio Newberry para o melhor livro infanto-juvenil de 2004, tornando-se rapidamente um «favorito» de escolas e bibliotecas graças ao seu potencial narrativo e simbólico. Para quem leu os dois títulos anteriores, a primeira reacção pode ser de estranheza. Desta vez, os cenários mudaram: não há parques de caravanas, motéis e cafetarias, bosques e estradas secundárias, mas sim um tempo e espaço localizados na pura fantasia, de cujo interior Kate DiCamillo fez nascer uma sofisticada intriga. O universo animista da autora expandiu-se e colocou um rato no lugar de protagonista – mas o seu nome, Despereaux, é já um sinal inequívoco de que também ele pertence à raça dos sobreviventes.
Primeiro, Despereaux enfrentará a traição da família dos ratos; depois, as terríveis ratazanas dos subterrâneos do castelo. Pelo meio, encontrará uma princesa chamada Ervilha, uma criadita que quer ser princesa e um rei que governa o reino com soberana e majestática apatia. E ainda uma ratazana com nome renascentista, tocada pela visão da luz e pela ideia do sublime, que é o exemplo dessas personagens «más» de quem só apetece gostar. E mais não se pode dizer, a bem da surpresa do leitor. Despereaux, o último (e o único) da ninhada, vai ter de provar que merece ter ficado para contar a história.

(caixa:)
DEZ PERGUNTAS A KATE DICAMILLO

Entre as muitas que gostaríamos de fazer. A escritora respondeu à Notícias Magazine por email.
Como foi crescer no Sul dos Estados Unidos?
Foi delicioso, porque o Sul é um lugar onde contar histórias tem um significado enorme. A capacidade de contar e de ouvir uma história ficou arreigada em mim através da cultura sulista.
Quais são os seus escritores favoritos?
Joan Aiken, Beverly Cleary, Isak Dinesen [NR: Karen Blixen], Anne Tyler.
Foi mais exigente escrever A Lenda de Despereaux do que Por Causa de Winn-Dixie e A Libertação do Tigre?
Foi muito mais difícil, porque parti de algo completamente diferente do que tinha feito até então e estava com medo. Além disso, foi o primeiro livro que escrevi com um enredo, e os enredos são coisas complicadas e cheias de truques.
Gostou do filme que foi feito a partir de Por Causa de Winn-Dixie?
Sim, muito. Acho que o filme resultou lindamente.
Quais são as suas palavras favoritas em inglês?
Umbrella (guarda-chuva). Portmanteau (mala). Lantern (lanterna). Forgiveness (perdão).
Como é que faz para encontrar a palavra certa?
Vou ao dicionário. Mas muitas vezes as palavras certas estão na minha cabeça.
Como é que lida com as críticas «não tão boas»?
Lembro-me do que Hemingway disse – e estou a parafraseá-lo: se acreditas neles quando te dizem que és bom, então tens que acreditar quando te dizem que és mau, por isso o melhor é não lhes ligares nenhuma.
Quando é que deixou o emprego na livraria?
Em 2002.
O que a impediu de se comprometer com a escrita durante tantos anos?
Eu sabia que queria ser escritora dez anos antes de começar a escrever. Coisas que me impediram: preguiça, medo, mais preguiça, mais medo. Triste, hã?
O que responde quando alguém a questiona sobre a necessidade de as crianças lerem histórias onde exista a tristeza, a raiva e a perda?
Digo que a tristeza, a raiva e a perda são parte da vida humana e, certamente, da vida de uma criança. As histórias precisam de reflectir a realidade, ao mesmo tempo que nos oferecem esperança, consolo e vontade de prosseguir."

2006/10/16

JN: "Estudo sobre hábitos de leitura"

Continuo a transcrever o Jornal de Notícias de hoje: "[...] Segundo explicou ao JN José Soares Neves, responsável executivo pelo projecto do Observatório, o estudo irá abranger "portugueses alfabetizados com 15 anos ou mais". A amostra está ainda a ser acertada com a empresa que fará o trabalho de campo, mas como amostra de referência foi considerada a do último estudo do género - 2500 indivíduos -, feito há uma década.
Conseguir uma perspectiva evolutiva do problema é precisamente uma das prioridades. Outra é ganhar com experiências do estrangeiro e incorporar dados de estudos internacionais. José Soares Neves acrescenta haver também um módulo específico para os encarregados de educação, visando perceber como vêem os hábitos de leitura dos filhos, as actividades escolares e o funcionamento das bibliotecas. "Não é nosso propósito incidir directamente sobre a população escolar, porque para isso haverá outro estudo", salienta.
Gedeão na internet
Para Isabel Alçada, que coordena o Plano Nacional de Leitura, o arranque do inquérito é apenas um entre vários sinais de dinamismo da iniciativa. Mostra-se "muito satisfeita" com a adesão de autarquias, salientando haver já vários protocolos de colaboração assinados "e muitos outros em estudo" - a título de exemplo, indica que anteontem esteve em Évora para mais uma assinatura.
Na próxima semana arranca um concurso dirigido ao terceiro ciclo do ensino Básico e ao Secundário, no âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Rómulo de Carvalho (ou António Gedeão). "O objectivo é a criação de uma página na internet", explica.
Modelo de avaliação
As listas de livros recomendados e actividades propostas para as escolas deverão dar frutos ao longo do ano lectivo, estando já definido o modelo de avaliação. Essa missão está a cargo de uma equipa do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE), coordenada por António Firmino da Costa, que tem vários trabalhos sobre a leitura. O objectivo é aferir "a adesão e cumprimento dos programas, a atitude dos participantes e o impacto em relação ao desenvolvimento de competências".
O mecenato e o papel dos privados são outra área em que o grupo coordenador do plano está a investir. Isabel Alçada destaca a acção "Tudo a Ler", já lançada pela cadeia de hipermercados Continente, e acrescenta que estão a ser negociados apoios com empresas.
Desenvolvidos estão já acordos de cooperação com editores e livreiros, com associações de professores e com diversas fundações, como é o caso da Gulbenkian, Serralves ou Centro Cultural de Belém."

2006/10/11

Os 50 anos de "Anita"

Cito o Público:
"PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - CULTURA
Director: José Manuel FernandesDirectores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 6041 Quarta, 11 de Outubro de 2006
O MUNDO PERFEITO DO "PAI" DA ANITA
É um dos grandes clássicos da literatura infantil: a colecção da Anita vendeu mais de 80 milhõesde livros em todo o mundo e está traduzida em dezenas de línguas. O seu desenhador, Marcel Marlier, veio a Portugal celebrar os 50 anos da sua menina exemplar. Por Alexandra Prado Coelho
Passaram-se já 52 anos desde que Marcel Marlier desenhou pela primeira vez a Anita - ele, que é belga, chama-lhe Martine. Em 50 anos muita coisa mudou: houve países que nasceram, outros que desapareceram, o Muro de Berlim caiu, o comunismo acabou, a televisão tornou-se um objecto banal, apareceu a Internet, surgiu a União Europeia, os islamistas radicais atacaram os EUA. Enfim, muito mudou. Mas a Anita? Atravessou as décadas, com o seu cão Pantufa, o seu irmão, os amigos, um universo feliz e perfeito. E vendeu milhões - mais de 80 milhões de exemplares em todo o mundo, e mais de 12 milhões só em Portugal.A verdade é que pequenas coisas mudaram nela, o corte de cabelo, às vezes os traços do rosto (sobretudo se compararmos com os primeiros álbuns), a idade, que pode oscilar entre os cinco e os sete anos, mas na essência, Anita continua a ser "uma criança que é gentil, que tenta fazer as coisas bem", tal como Marlier a imaginou há 50 anos.E continua a ter o rosto da menina que trabalhava na loja do outro lado da rua quando o desenhador tinha dez ou 12 anos, e que lhe fazia bater o coração mais depressa. "Não lhe dizia que a amava, claro, porque naquele tempo não era como agora. Não teria ousado tocar-lhe, era como uma santa. Foi esse rosto que me ficou e quando tive que fazer a Anita foi esse rosto que me veio. Queria que fosse uma rapariga gentil e calorosa, que respeitasse os outros. Parecia-me o rosto que melhor representava isso", conta Marlier.
Mudanças, mas poucasDurante todos estes anos, Anita - ou Martinka, ou Lilli, ou Martita ou Mariona, conforme os países - aprendeu a nadar, andou na escola de vela, foi ao jardim zoológico, perdeu o cão, passou férias com os avós, foi baby-sitter, esteve doente, aprendeu culinária, ballet, desenho, ajudou a mãe. Marlier, e Gibert Delahaye, criador original da personagem e autor dos textos até à sua morte, em 1997 (hoje é Jean-Louis Marlier, filho do ilustrador, que escreve os textos), chegaram a ser criticados por álbuns como Anita na Cozinha. "Diziam que estávamos a defender que as mulheres deviam ficar em casa", recorda Marlier. Mas, ao mesmo tempo, ela aprende coisas como vela ou equitação, e parece fazer sempre tudo bem.Marlier fez algumas cedências à evolução dos tempos. Os vestidos muito curtos e lenços na cabeça de um primeiro álbum como Anita na Quinta (1954) foram substituídos por roupas mais modernas. Mas o desenhador acredita que, na essência, as crianças não mudaram, apesar do ambiente em redor. "Infelizmente, hoje deixam-se influenciar muito pela televisão e querem coisas absurdas, como calças de ganga já gastas ou rasgadas. Nas emissões de variedades, as raparigas são todas iguais, com cabelos iguais, aplaudem todas ao mesmo tempo, isso irrita-me porque é tudo formatado." No entanto, "há no homem uma certa gentileza e simpatia em relação aos outros" e é isso que cria a empatia com o universo da Anita, acredita Marlier.Ao princípio era apenas uma personagem como outras, mais um álbum para ilustrar. O êxito só aconteceu ao fim de dois ou três álbuns, e Marlier demorou a aperceber-se da dimensão do fenómeno. Mas lembra-se que uma das primeiras cartas que recebeu foi de uma portuguesa, a elogiar a "perfeição quase divina" do seu traço. Ficou-lhe na memória, tal como outra carta, muito mais recente, de uma menina que escreveu à Anita: "Tenho uma doença de pele, ninguém gosta de mim, mas tu és minha amiga e estás sempre comigo."Inspirado pela própria família - primeiro os filhos, agora os netos - Marlier não planeia introduzir problemas na vida de Anita. "Pedem-me muitas vezes para que os pais dela se divorciem. Mas eu sou casado há mais de 50 anos com a minha mulher e continuamos a dar-nos bem. Fomos sempre uma família unida. Nunca houve com os meus filhos conflitos de gerações, nem na adolescência. Não tenho vontade de fazer divorciar os pais da Anita. Não é o nosso mundo."Também não é provável que a Anita passe dos sete, no máximo oito anos. "Não conheço o mundo das jovens, até porque com a televisão, a moda, e tudo isso as jovens correm o risco de se tornarem artificiais. Não me aventuro nesse mundo, deixo isso para outros."O novo álbum, que acaba de ser lançado em Portugal, chama-se Anita e os Fantasmas. E até ao dia 15 está no Centro Comercial Colombo uma exposição sobre os 50 anos da personagem.A Anita não mudou - e não mudará."

2006/10/06

"Público": suplemento "Mil Folhas" de 30 de Setembro

Pela sua relevância didáctica, cito dois textos editados no suplemento Mil Folhas", parte integrante do jornal Público de 30 de Setembro:

"Um jornal dirigido por um rato
Rita Pimenta
Com uma ficha técnica que não é para levar a sério, a colecção do rato Geronimo Stilton tornou-se num sucesso internacional, com tradução em 35 línguas e vendas que já alcançaram os 20 milhões de exemplares. Em Itália, o país de origem da colecção, foram vendidos 2,5 milhões de livros e, nos Estados Unidos, a Scholastic imprimiu, para a tiragem inicial, um milhão de cópias. Por cá, o êxito não está a corresponder à expectativa da Editorial Presença (venderam-se 27.200 livros), mas os miúdos que gostam do Stilton gostam mesmo e já começavam a reclamar a saída do décimo volume, que foi lançado na terça-feira com o título "Pânico nos Himalaias" (cinco mil exemplares de tiragem).
Façamos uma curta apresentação deste jornalista-escritor de comportamento exemplar, mas facilmente enganado por todos - até porque é muito distraído. Eis como o próprio se dá a conhecer nas suas páginas: "A minha verdadeira paixão é escrever. Aqui em Ratázia, na Ilha dos Ratos, os meus livros são todos "best-sellers". O quê? Não os conhecem? São histórias para rir, mais delicadas que queijo fresco, mais apetitosas que o da Serra, mais suculentas que o cabreiro... histórias mesmo ratonas, palavra de Geronimo Stilton!"
É formado em Ratologia da Literatura Rática, em Filosofia Arqueorrática Comparada e há 20 anos que dirige o "Diário dos Roedores". Nos tempos livres, colecciona cascas antigas de parmesão do século XVIII e joga golfe. No entanto, nada o satisfaz mais do que contar histórias ao seu sobrinho Benjamim.
Ficção à parte, uma das obras conquistou o prémio eBook Award 2002 como melhor livro electrónico infantil e em 2001 o rato já tinha sido considerado a personagem do ano pelo Prémio Andersen. Quem escreve de facto as histórias e está por trás deste roedor nunca é revelado pelas editoras que exploram os direitos da colecção. Pode ser um homem, uma mulher ou até mesmo uma criança. Se se quiser solicitar uma entrevista, as respostas serão dadas por Stilton! - e ponto final.

Sogro avarento, casamento falhado

Em "O Castelo do Lorde Avarento", o rato e a sua irmã Tea são convidados pelo tio Semilorde Zanzibar - a quem chamam "o Piolhoso" e que vive em Penedos Avaros, no Castelo de Rocha Sovina - para o casamento "de seu filho Pimpolho Zanzibar com Cloaquina Cheiroti-Bafius". No final do convite, vinha a seguinte nota: "Agradece-se presente, aliás obrigatório!!!" (pág. 11).
Correu tudo mal para Stilton, que se tornou imediatamente alvo das partidas do primo Esparrela, primeiro com um pó de comichão que o obrigou a tirar as calças em frente aos convidados, depois com uns bombons laxantes, etc. Para os restantes familiares do rato, a estada no castelo também não foi agradável. A avareza daquele Zanzibar levou a que todos passassem fome e frio. A própria noiva percebeu em que sarilhos se ia meter e já não se casou. Deixou o noivo e o pai avarento no castelo e, à boleia na moto da irmã de Stilton, foi viver para a Ratázia.
No final, conclui o rato: "Não sei como será a vossa família, mas a minha é mesmo estranha e cómica. Aliás, todas as famílias são assim... ou não são?" (pág. 117).
Observar as crianças a ler um livro de Geronimo Stilton pode ser muito engraçado, pois algumas delas soltam verdadeiras gargalhadas. Uma característica que também as atrai é o dinamismo da mancha gráfica e dos próprios caracteres. Há vários tipos de letra, cores diferentes no meio do texto, distorção de caracteres, texto em forma de caracol ou a própria palavra transformada numa espécie de ilustração do que é dito. Por exemplo: a expressão "faz frio de mais" aparece em dois tons de azul, grafada com letras grandes e cobertas de neve (pág. 83); a palavra "brilhante" surge em dourado e parece brilhar mesmo (pág. 98).
Também o facto de existir no final de cada livro o mapa da Ilha dos Ratos, aparecer cartografada a cidade da Ratázia e mostrar-se a planta do edifício do "Diário dos Roedores" ajuda os leitores a ter a percepção do espaço em que as histórias acontecem. E as crianças gostam disso. Na verdade, nós também.
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O Castelo do Lorde Avarento
Autor Geronimo Stilton
Ilustrador Roberto Ronchi
Grafismo Merenguita Gingermouse e Aurela De Rosa
Tradutor Carlos Grifo Babo



O fascínio por pedras grandes
Rita Pimenta

Ninguém fica indiferente a um menir ou a uma anta. Prova recente disso mesmo foi a mobilização de mais de 200 pessoas para erguer por métodos primitivos um monumento megalítico de 15 toneladas e sete metros, no Barrocal (Reguengos de Monsaraz). Aconteceu no dia 23 de Setembro - ou melhor, não chegou a acontecer, mas isso não interessa.
As pedras grandes atraem, e o Ricardo, a Rita e o André não resistiram a visitar, durante a noite, as Antas do Olival da Pega, em Monsaraz (mais precisamente Sharish, a terra de Balen al-Farah). Foram às escondidas de Sara, que pensara ter conseguido dissuadi-los dessa arriscada aventura. "Não podiam conceber as perigosas forças que se concentram e escondem em certos locais" (pág. 41).
Seguiu-os, mas, quando os avistou, já não pôde impedir que entrassem na anta. Atirou-se também lá para dentro e regressou assim ao reino da sua mãe, Zaida, uma moura encantada. O povo de origem de Sara vai pedir-lhe então ajuda na demanda do elmo de cristal, uma arma cobiçada pelos povos rivais das Terras Encantadas. Os talentos de Ricardo, de Rita e de André também terão um papel importante no impedimento do avanço das forças demoníacas dos Encobertos.
Francisco Dionísio, o autor de "Elmo de Cristal / Os Mouros das Terras Encantadas", consegue criar um ambiente fantástico que envolve o leitor e o faz acompanhar com interesse as personagens, quer as reais, por assim dizer, quer as lendárias. As descrições, os pormenores e as ligações com os espaços geográficos alentejanos são bem doseados entre os quadros de maior acção, sempre cativantes para os jovens, e suscitam vontade para visitar monumentos megalíticos.
(Há uma irritante confusão entre "concelhos" e "conselhos", pág. 114.)
No final, regista-se um pequeno glossário, de que se transcrevem aqui alguns termos interessantes que se repetem ao longo do livro. Al-Andaluz: nome atribuído pelos árabes à Península Ibérica; Rio Anas: rio Guadiana, cuja junção deriva da palavra árabe "uadi" (rio) com a palavra "ana" (água); Sharish ou Xaris: nome de Monsaraz durante a ocupação islâmica.
O autor desta história, que não é apenas de aventuras, apoiou-se em estudos de Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso, José Leite de Vasconcelos e Gentil Martins. Fez bem.
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Elmo de Cristal / Os Mouros das Terras Encantadas
Autor Francisco Dionísio
Editor Prime Books"

Gramáticª.pt

Pela sua manifesta relevância didáctica, cito o Público de hoje:
"GramáTICª.pt
Filomena Viegas*
Para os que pensam que chegou a Portugal uma nova gramática do português, apresso-me a informar que não! A gramática da língua portuguesa está cá há vários séculos e veio para ficar. O GramáTICª.pt é que é novo. Vive na Internet, onde se instalou para fazer o acompanhamento em linha da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, vulgo TLEBS, nome feio, é certo, mas dita a gramática que isto de siglas é assim.
Pois esta TLEBS está sob um foco de luzes. Será bom que a sua iluminação seja clara e que a imagem projectada a devolva sem grandes deformidades, dado que já há cerca de dez anos que anda muita gente a trabalhar nela. Trabalho que nasceu quando se chegou à conclusão que a Nomenclatura Gramatical Portuguesa, de 1967, tinha deixado de ser uma referência produtiva para os problemas do ensino do português. Desde essa altura, muitas foram as idas e voltas entre os linguistas e os professores, o Ministério da Educação, a Associação de Professores de Português, a Associação Portuguesa de Linguística. Muita tinta foi usada e apagada... Quando, em 2000, a equipa de especialistas concluiu a lista dos termos da TLEBS, deu-se início a uma 2.ª fase de trabalho, a construção das fichas terminológicas, com termo, definição, exemplo e equivalentes em espanhol, francês e inglês. Na 3.ª fase, publicou-se a base de dados Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, em suporte digital, que está nas escolas.
Desde o início da experimentação da TLEBS - experiência piloto em 2005-2006 e generalização da experiência agora em curso -, o texto do artigo 2.º da Portaria n.º 1488/2004, que lhe dá enquadramento legal, tem sido insistentemente repetido: "A TLEBS destina-se a constituir referência para as práticas pedagógicas das disciplinas de Língua Portuguesa e de Português..."
Contudo, as vozes mais polémicas continuam a tentar fazer da TLEBS uma nova gramática, o que a TLEBS não é, ou uma listagem definitiva e arrumada de conteúdos a transmitir aos alunos, o que a TLEBS também não é. E dizer da TLEBS que traz novos termos gramaticais e depois exemplificar com o Substantivo que passa a Nome, não lhe assenta nada bem. No mínimo, é ter esquecido que João de Barros já lhe chamava Nome, na sua Gramática Portuguesa de 1540, quando escrevia que "todalas linguágens tem dous reis diferentes em gé¬nero e concórdes em ofiçio: a um chamam Nome e ao outro Verbo"...
Vista apenas à luz do texto legal, a TLEBS não pode ser entendida como um receituário de termos para professores e alunos memorizarem e papaguearem nas aulas, uma vez que se trata de um documento de referência, um instrumento de trabalho para os professores. Cabe aos professores o trabalho da transposição didáctica dos termos a usar em cada ciclo de ensino, no respeito dos programas em vigor.
Portanto, a TLEBS não é drama nenhum. Está em fase de revisão e é uma lista de termos, em relação directa com a gramática e com a linguística, que a equipa de especialistas que a elaborou considera os mais apropriados, à luz do estado actual dos conhecimentos linguísticos e gramaticais. Termos que os professores, no terreno, têm referido como necessários e adequados para os ensinos básico e secundário. *Docente de Língua Portuguesa há trinta e dois anos, responsável pelo projecto GramáTICª.pt - acompanhamento em linha da TLEBS, na página da DGIDG -Ministério da Educação"

Exposição "Lápis Mágico" no CCB

Continuação do Público de 2 de Outubro: "Na primeira página de Aldo há uma menina, ar triste, cabelo escorrido, uma saia às pregas, uma camisola amarela. E uma única frase: "Passo muito tempo sozinha". Os colegas da escola tratam-na mal, os pais discutem e esquecem-se dela. Mas a menina tem um amigo, um coelho de orelhas espetadas, e ar igualmente melancólico, chamado Aldo. É o seu amigo imaginário que a protege do mundo.
Foi John Burningham, um dos mais conhecidos ilustradores britânicos, autor de muitas dezenas de livros infantis, quem inventou a menina triste e o seu amigo imaginário. Burningham - que é casado com uma ilustradora e pai de três filhos - tem 70 anos, olhos azuis a aparecer por baixo de um sobrolho carregado, rosto sério, em alguns momentos quase angustiado. Assim, de pé ao lado dos seus desenhos, tem, por vezes, um ar tão desprotegido como a menina que inventou um coelho para ter um amigo.
Há 40 anos que Burningham desenha. E o traço mantém a simplicidade dos primeiros tempos - se calhar é esse o segredo de uma figura como o Aldo (de 1991), intemporal e capaz de fascinar crianças em todo o mundo. Mas 40 anos de trabalho não dão ao desenhador maior confiança. De cada vez que recomeça tem dúvidas, angustia-se. "Penso se conseguirei fazê-lo outra vez."
"Ter muita experiência torna as coisas piores", diz, na sua voz grave. "Penso "fiz todas estas coisas e agora não consigo... nunca mais vou conseguir usar a cor outra vez, ou fazer um desenho outra vez". E fico exausto quanto tento desenhar e as coisas não saem."
Burningham não faz, decididamente, as coisas parecerem simples, mas é desarmante a falar das suas limitações. "O que é terrível para um artista que usa a cor e o desenho é que pode de repente perceber que o desenho é terrível, as cores são horríveis. E não existe uma fórmula. Não posso dizer "sei o que estou a fazer mal". Alguma coisa está errada e não sei como fazê-la certa."
Por trás de cada desenho estão horas de tentativas, imensos planos da estrutura de cada livro. "Uma boa história é o que importa." E uma boa história pode ser tão simples como a do bebé que não comia, para desespero dos pais, e que um dia começou a comer abacates e se tornou tão forte que já segurava móveis no ar (Avocado Baby, 1982); ou, como em Granpa (1984), a da relação entre uma menina e o avô, que termina com a imagem do cadeira vazia do avô.
"Nunca penso nas crianças", confessa. "Sei que as minhas histórias são lidas em todo o mundo, por pessoas muito diferentes, por isso devo ter uma fórmula que funciona. Mas não sei qual é. Quando os pais me dizem "o meu filho adora as suas histórias, tenho que as ler todas as noites", fico muito contente, mas não quero saber muito mais sobre isso."
Na sala do CCB onde os seus desenhos podem ser vistos (ver caixa) está um grupo de crianças sentadas no chão em frente deles. Uma das animadoras pergunta-lhes o que é que o Aldo gostará de fazer. "É do Sporting", diz um, por causa do cachecol verde e branco. "Gosta de andar de patins", lança outro. "E de contar histórias", acrescenta um terceiro.
John Burningham não precisa de entender o que é que Aldo tem para as crianças gostarem dele. Basta-lhe que gostem.
Desenhadores britânicos para conhecer até dia 31
Os desenhos de John Burningham - e os de 12 outros desenhadores britânicos, num total de 70 ilustrações - podem ser vistos na exposição Magic Pencil - Lápis Mágico, organizada pelo British Council e pelo Centro de Pedagogia e Animação do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, até dia 31. Para além das ilustrações nas paredes, em mesas baixas as crianças poderão ver e manusear outros livros, e ao fim-de-semana participar nas visitas guiadas, em português e inglês, feitas por rapazes e raparigas entre os 13 e os 18 anos. Há ainda oficinas para crianças (entre os 4 e os 12 anos) em torno dos livros, dos desenhos, da música e da língua inglesa. A English Language Workshop contará, nos dias 23, 24 e 25 com a contadora de histórias britânica Elly Stuart. A ideia por detrás da exposição? "Imaginem um Lápis Mágico. Nesse lápis imaginem uma linha mágica à espera de sair. Ponham o lápis no papel. O que acontece?".".