Todos os anos, pela Primavera. Ou quase; inaugurado a 17 de Março, o 25º Salon du Livre de Paris acabou a 23. De 4 a 13, decorrera outra iniciativa (também realizada noutras cidades francesas e estrangeiras), o «Printemps des Poètes», instituído em 1999 por Jack Lang; a história desta manifestação lê-se no nº 41 da revista «Poésie 1», ed. Le Cherche Midi; até meados de Abril, ainda haverá fotografias e livros de poesia expostos na estação de metro de Saint-Germain.
2005/04/04
25ª edição do "Salon du Livre de Paris"
Vale a pena ler esta reflexão de Francisco Bélard, publicada no suplemento "Actual" do Expresso de 2 de Abril de 2005, intitulada "Primavera dos Livros":
Todos os anos, pela Primavera. Ou quase; inaugurado a 17 de Março, o 25º Salon du Livre de Paris acabou a 23. De 4 a 13, decorrera outra iniciativa (também realizada noutras cidades francesas e estrangeiras), o «Printemps des Poètes», instituído em 1999 por Jack Lang; a história desta manifestação lê-se no nº 41 da revista «Poésie 1», ed. Le Cherche Midi; até meados de Abril, ainda haverá fotografias e livros de poesia expostos na estação de metro de Saint-Germain. O começo da Primavera é a altura escolhida pela capital francesa para o Salon du Livre, que de 1981 a 1993 teve lugar no Grand Palais e desde 1994 ocupa o Hall 1 do Parc des Expositions, ou Paris-Expo, na Porte de Versailles. Não está no centro da cidade, mas é de acesso fácil. Sai-se do metro, dão-se uns passos e entra-se por 3€ se não se tiver convite (dado a autores, a grupos de estudantes, etc.) ou o livre-trânsito concedido a certas categorias profissionais. É um espaço acolhedor, em que não se sente excessivamente a imensidão da indústria editorial - aqui largamente de língua francesa, mas com razoável presença de outras, com realce para o país convidado, este ano a Rússia. Mesmo nos dias de maior afluência anda-se à vontade. Mas logo vemos que, embora de todos os lados se vislumbre o fundo (o que não ocorre na Feira de Frankfurt, que ocupa edifícios de vários andares), é possível passar manhãs e tardes sem ver a maior parte do que é proposto. O Salon tem uma dimensão humana, não somos esmagados pelo Livro e pela Cultura. Mas há objectos para os mais diversos gostos, há debates, às vezes ao mesmo tempo dois ou três, que nos impelem a escolher. Ao contrário de feiras profissionais, como a de Frankfurt, a maior parte dos livros (e revistas, jornais, DVD, CD, etc.) estão à venda; proliferam catálogos, anúncios, folhetos e comunicados, quem gosta de autógrafos dispõe de listas que dizem a hora e o lugar em que estará o escritor ou o ilustrador A ou B, em média 200 e tal por dia, mais de 2000 em seis dias. Também se pode não comprar nada e folhear o que se quiser dessa parte de «toda a memória do mundo» ali reunida das 9h30 às 19h ou mais. O Salon é feira, exposição (de livros e de autores), lugar de discussões em que a literatura é só uma das componentes. No último dia, por exemplo, assisti a colóquios sobre a Europa (a Turquia foi um dos temas), a francofonia e a literatura russa actual. O mais interessante no Salon du Livre é a pluralidade das propostas. Embora seja agradável ir a boas livrarias, grandes e pequenas, generalistas ou especializadas (e em certas zonas de Paris têm uma densidade desesperante), elas não substituem o Salon, que reúne excepcional diversidade de editores e em que os autores não são apenas um nome numa capa. Várias organizações, jornais, estações de Rádio e TV promovem sessões públicas sobre quase tudo. Os livros, claro, mas também temas como a biodiversidade ou o novo tratado constitucional. Numa livraria, mesmo excelente, posso não ficar a saber que obras edita o Centre d'Études Slaves, ou não encontrar o nº 21, de 1995, de uma revista com artigos que me interessam. Posso não encontrar números antigos do «Magazine Littéraire» (e muito menos capas para coleccionar a revista) ou do «Courrier International». Posso não ficar a saber que numa editora italiana que eu ignorava há uma Storia d'Italia, de Benedetto Croce, e que outra, de Nápoles, edita uma revista literária com o formato hoje raro de 49x34cm. Posso não descobrir publicações de La Documentation Française, como «Questions Internationales», que no número de Março-Abril trata da Turquia, da Itália, dos EUA e de Chipre, e no número anterior tratou da ONU, de Kaliningrad e da Bulgária (e quanto a geopolítica não esqueçamos a editora Ellipses, de Paris). Posso não ficar a saber que uma editora belga, a Bruylant, tem bons livros de ciências sociais e um deles reproduz um colóquio sobre o problema das línguas na UE; ou que outra editora belga, Labor, publicou um diálogo com Dominique Wolton sobre TV. Posso não encontrar um livro sobre Albert Camus editado em 2004 em Argel. Posso não descobrir que uma das recentes antologias de poesia russa saiu em francês no Canadá. Talvez na livraria localizasse Figures du Palestinien, de Elias Sambar (Gallimard, 19,50€), mas no Salon encontro também o autor. E, como nas livrarias ou na Internet as grandes editoras prevalecem, posso não dar pela existência das Éditions Philippe Rey e do livro Nous ne Verrons Jamais Vukovar, de Louise L. Lambrichts (desencadeado por um famoso texto de Peter Handke). Posso ainda, se não tiver ido à Librairie Lusophone, de João Heitor, ignorar que as Éditions Lusophone publicaram as actas do colóquio Árvore (1951-1953) et la Poésie Portugaise des Années Cinquante, um livro de teatro de Teresa Rita Lopes e um estudo sobre a saudade de António Braz. Se não tiver ido à Librairie Portugaise, não saberei quais os projectos editoriais de Michel Chandeigne nem que ele me permite comprar uma revista brasileira de História cujos números 1 a 4 encontrei em São Paulo em 2003 e em Portugal não encontro em lado nenhum. Se não consultar o programa do Salon du Livre, não saberei que Jean-Christophe Victor (que conhecemos dos canais franceses de TV - agora menos, pois quem manda em Portugal no «cabo» tirou o Arte do «pacote-base») apresenta ali o mais recente DVD do programa de geopolítica «Le Dessous des Cartes», com 140 minutos em francês e inglês sobre États-Unis, une Géographie Impériale (título que faz lembrar Raymond Aron). Talvez me escape um livrinho de Liliane Giraudon, nas Éditions Inventaire, que não constavam do meu inventário, cuja contracapa enumera os mais notórios actos proibidos pelos «taliban» (por exemplo, que os homens façam a barba ou que se ouça música numa loja). Também poderei não reparar que saiu uma nova revista de BD, «Bang!», co-edição de «Les Inrockuptibles» e da Casterman. Nem adquirir (desta vez sem pagar, é «hors commerce») a antologia Cinq Poètes Russes du XXe Siècle, com Blok, Akhmatova, Mandelstam, Tsvetaieva e Brodsky, editada pela Gallimard e apoiada pela Gibert Joseph, concessionária da venda de livros no pavilhão russo. E posso não saber que a edição em DVD ou CD-ROM da Encyclopédie Universalis custa 123€. Ou que o prémio France Télévisions para ensaio foi ali atribuído no dia 18 a Jean-Pierre Vernant (La Traversée des Frontières, Seuil, 19€) e que a escolha suscitou polémica por ter sido preterido o livro de Serge Bilé, Noirs dans les Camps Nazis (Serpent à Plumes, 15,90€). Isto são só alguns exemplos de como uma iniciativa em torno do livro remete, como os livros em geral, para o universo. Claro que, depois das 19h, outras obras que decerto estavam no Salon podem ser reveladas por incursões nocturnas a livrarias (duas, em Saint-Germain, fecham quase à meia-noite). Destaco a publicação recente (devedora da edição Pléiade de 1990) de Pasternak na Gallimard: Écrits Autobiographiques. Le Docteur Jivago; 1316 páginas, com o célebre romance a par de outros textos, a 23€; não é caro, se compararmos com os 16€ de Exils, de Natalia Jouravliova, em russo e francês, com 104 páginas de que só sei ler metade. Como se compreende, a francofonia é um ponto forte do Salon. E, ecoando o ainda recente dia da mesma, há um debate com o senegalês Christian Valantin (lembra ele que no período colonial a língua francesa excluía o ensino das línguas africanas, «natales» no dizer de Senghor, atitude hoje ultrapassada), com os franceses J. Chancel e D. Wolton (além da historiadora Hélène Carrére d'Encausse, que, adoentada, se retirou sem intervir) e com o libanês Ghassan Salamé, antigo ministro da Cultura, que explica as implicações económicas do projecto francófono; por exemplo, jovens da região estudam francês porque há empresas petrolíferas que usam essa língua. Afirmação consensual é a de que não se trata de uma vã concorrência com o inglês mas de manter a posição do francês para que o inglês e a língua materna não sejam as únicas estudadas. Disponível e gratuito está o livro de actas da sessão do Haut Conseil de la Francophonie em 2004, presidido por Boutros-Ghali (um dos participantes foi Mário Soares). Tendências? Impossível enunciá-las; toda a edição francófona está representada. Sartre, no centenário, surge em várias prateleiras. Sobre ele, só de Annie Cohen-Solal vejo três livros (dois recentes). Dos estrangeiros, Eco, mesmo sem ter ido dar autógrafos este ano, faz-se notar sobretudo pela tradução do seu último e sui generis romance, que vai sair em português. O stand dos romances de Dan Brown (o primeiro, cronologicamente, é promovido como se fosse mais recente, o que não acontece só em França) é um entre inúmeros. Mais interessante é notar o êxito de um exigente trabalho científico e jornalístico, o livro Code Da Vinci: l'Enquête (R. Laffont, 19€), de Marie-France Etchegoin (de «Le Nouvel Observateur») e Frédéric Lenoir (de «Le Monde des Réligions»). Portugal teve participação discreta, com o colóquio de jovens escritores já noticiado no «Actual» e a homenagem a Sophia em que Inês de Medeiros disse poemas em duas línguas e os editores Joaquim Vital e Michel Chandeigne fizeram intervenções interessantes; mas faltou lá um professor de literatura ou um crítico literário (e alguns iriam estar em Paris para uma sessão mal divulgada no Centre Culturel Portugais da Gulbenkian). Registe-se, porém, o aspecto melhorado do stand português (IPLB-IC), embora os postais com poemas de Sophia não me pareçam esteticamente ideais. Mas sobre tudo isso imperou a presença russa, que não é nova na edição francesa há muitas décadas. A novidade foi a visita de uns 40 escritores, quase todos ignorados na Europa ocidental. Não cabem numa chaveta; a ficção sobre o soldado que volta destruído da Tchetchénia e se mete na vodka ou em negócios escusos é uma caricatura. Os presentes (ou o ausente Viktor Pelevine) mostraram bem as suas diferenças, alguns a sua vivacidade, e quase todos uma relação estreita com tradições literárias europeias, clássicas e contemporâneas. Os russos falaram de literatura, de política, do dia-a-dia; noutros colóquios, franceses e russos abordaram as relações da Rússia e da URSS com a França e o resto do mundo; entre os convidados havia nomes como Stéphane Courtois e Nicholas Werth. À margem, alguns stands exibiram obras sobre a Tchetchénia e a Ucrânia. O Salon du Livre foi tudo isto e muito mais, que não cabe em duas páginas, mas que, para além do acontecimento jornalístico, dará assunto para outros comentários, pois ficam os livros, as revistas e o eco das palavras neste encontro de culturas e concentrado de informações.
Todos os anos, pela Primavera. Ou quase; inaugurado a 17 de Março, o 25º Salon du Livre de Paris acabou a 23. De 4 a 13, decorrera outra iniciativa (também realizada noutras cidades francesas e estrangeiras), o «Printemps des Poètes», instituído em 1999 por Jack Lang; a história desta manifestação lê-se no nº 41 da revista «Poésie 1», ed. Le Cherche Midi; até meados de Abril, ainda haverá fotografias e livros de poesia expostos na estação de metro de Saint-Germain.
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