2005/08/13

Astérix em Mirandês

Eilhes tornán an Mirandés!

Livro de Astérix tem finalmente autorização para ser editado no dialecto de Miranda Aventuras do herói gaulês já são lidas em 110 línguas

"A tradução em mirandês do livro "Asterix, L Goulés" (o título traduzido no dialecto) já tem data marcada para a sua apresentação pública a iniciativa vai decorrer no próximo dia 15 de Setembro, no El Corte Inglês, em Lisboa. Um mês depois estará a disposição dos leitores nas livrarias nacionais. Entretanto, o novo álbum original - provavelmente o último - é lançado em todo o mundo no dia 14 de Outubro (ver outro texto).

A tradução do álbum foi feita há cerca de três anos pelo escritor e investigador da língua mirandesa Amadeu Ferreira. Nos últimos meses procedeu a uma revisão e aperfeiçoamento dos textos iniciais, que contaram com a colaboração de Carlos Ferreira e Amadeu Ferreira, havendo ainda uma colaboração de António Santos, um apaixonado por banda desenhada que ajudou o autor a entender alguns aspectos da chamada 9.ª Arte.

Divulgar a 'lhéngua'

Inicialmente registaram-se diversos entraves com uma primeira editora que detinha os direitos de tradução, mas a situação foi ultrapassada, cabendo agora à editora ASA os direitos sobre a edição traduzida na "lhégua".

Entretanto as demoras surgidas na edição, tal como o JN já tinha adiantado, não são imputadas aos tradutores - apesar de haver expectativa quanto ao trabalho realizado não ser apresentado na data inicialmente pensada, garante Amadeu Ferreira.

Os livros do Astérix e do seu amigo Obélix estão actualmente traduzidos em 110 línguas e dialectos espalhados por todo o mundo, sendo esta tradução um passo importante para a divulgação da língua mirandesa, que se manteve isolada durante séculos nas aldeias do concelho de Miranda do Douro, e parte do concelho de Vimioso, sendo apenas transmitida de geração em geração por via oral. Actualmente a língua mirandesa está confinada a um universo de sete mil falantes de acordo com os últimos censos.

Segundo Amadeu Ferreira, terminada a tradução em várias língua nacionais, essa divulgação poderia continuar através da tradução das obras de Goscinny e Uderzo em línguas minoritárias - um factor importante para a sua divulgação.

"O mirandês entra para o mundo do herói Gaulês não como uma língua isolada, mesmo sendo minoritária, mas acompanhando todo um conjunto de outras línguas universais", revelou Amadeu Ferreira ao JN.

Nas várias edições livrescas de Astérix publicadas nas mais diversas línguas, na contracapa dá-se sempre nota das línguas em que a banda desenhada está traduzida, o que vem dar um novo alento ao mirandês - levando, assim, milhões de leitores a saber da existência de uma língua que se mantém viva num rincão do nordeste transmontano.

Agora, as crianças das terras de Miranda também poderão dar gargalhadas com as aventuras e desventuras da turma de Astérix na sua cruzada contra os romanos e aos mesmo tempo apanharem o gosto por uma língua que já é disciplina opcional na escolas do concelho de Miranda do Douro, uma região do país que se pretende bilingue.

Como nota final, só os nomes de Astérix e Obélix se manterão na sua forma original; os outros personagens terão nomes diferentes, adaptando o nome originário latino, e seu significado, ao mirandês.” (Francisco Pinto)

2005/08/11

Charlie e a Fábrica de Chocolate

"O livro de Roald Dahl está traduzido para português, com edições na Caminho (1991, na ilustração) e, mais recentemente na Terramar. Entre outros, estão também traduzidos James e o Pêssego Gigante, As Bruxas ou Matilde (Terramar), todos também já filmados. Tim Burton é um realizador americano esgrouviado que vive num planeta só dele, de onde sai de vez em quando para fazer filmes sobre almas penadas (Beetlejuice), rapazes com mãos cortantes (Eduardo Mãos de Tesoura), invasões de marcianos verdes (Marte Ataca!) ou filhos desavindos com os pais e às voltas com peixes gigantes (O Grande Peixe).

Roald Dahl era um respeitável senhor britânico que escrevia livros infantis em que as crianças maltratadas ou desprezadas por adultos acabavam por os castigar, não sem antes terem andado a correr mundo em frutas descomunais (James e o Pêssego Gigante) depois de os pais serem atropelados por rinocerontes, sido transformadas em ratinhos brancos por bruxas (As Bruxas) ou frequentado escolas de pesadelo (Matilde).

Irmãos em imaginação desmesurada e insólita, em humor negro e em alergia ao mundo quotidiano, banal e feio que trata mal as pessoas especiais, Burton e Dahl encontraram-se os dois à esquina (em espírito, claro) quando o primeiro produziu, em 1996, a animação James e o Pêssego Gigante, de Henry Selick.

Agora, Tim Burton revisita Roald Dahl em James e a Fábrica de Chocolate, adaptação de um dos mais bem-amados livros do escritor, já filmado por Mel Stuart em 1971. Mas entre esta versão e a de Burton, vai a distância entre uma pastilha elástica albanesa e uma tablete de chocolate suíço.

Burton pegou na história de Dahl e, respeitando-a quase na íntegra, afeiçoou-a à sua weirdness gótico-poético-enviesada. O pequeno Charlie Bucket (Freddie Highmore, de Em Busca da Terra do Nunca) é sossegado e muito bem-educado. Vive com a família numa casa construída pelo arquitecto do Dr. Caligari num dia em que bebeu de mais, numa cidade industrial saída de um livro de Charles Dickens, com a mãe, o pai e os quatro avós, que nunca saem da cama. A família Bucket é tão pobre que o jantar é sempre sopa de couve (nunca há almoço). A cidade é dominada pela estrutura da fábrica de chocolates Wonka, os melhores do mundo, propriedade do invisível e recluso Willie Wonka.

Um dia, Wonka faz saber que pôs cinco "bilhetes dourados" em cinco tabletes. As crianças que os acharem ganham uma visita guiada à fábrica. Quatro vão parar às mãos de outros tantos pequenos monstros um glutão, uma gananciosa, uma hipercompetitiva e um junkie de TV e jogos de vídeo. O quinto é descoberto por Charlie. E uma manhã, as cinco crianças, cada uma acompanhada por um parente, são recebidas pessoalmente por Willie Wonka.

Tim Burton realiza Charlie e a Fábrica de Chocolate como se fosse uma combinação de guloseima cinematográfica psicadélica para os olhos lamberem até se fartarem, de jornada por um mundo secreto, fantástico e nonsense, e de conto moral tradicional satírico, em que as crianças mal-educadas são elaboradamente humilhadas e castigadas, e as bonzinhas vastamente recompensadas. Cada criança tem direito a uma canção-tema, com as letras originais de Dahl, músicas spaced out de Danny Elfman e coreografias cinéfilo-pop/rock de Burton. (Não, garanto que não comi nenhum chocolate com comprimidos esquisitos misturados.)

A cereja bizarra no topo deste bolo é Willie Wonka, que Johnny Depp interpreta como um travesti de Audrey Tautou com o penteado do falecido Rolling Stone Brian Jones, o guarda-roupa de Austin Powers e os modos de Michael Jackson, menos os impulsos pedófilos; e servido por um exército de Oompa-Loompas, os anões que fazem tudo na fábrica, vividos pelo diminuto actor indiano Deep Roy mil vezes multiplicado por computador.

A única fuga grave de Tim Burton à letra do livro é uma explicação inventada para a paixão chocolateira de Wonka o pai era um dentista antidoces. O escritor teria perdoado a liberdade ao realizador, se soubesse que o pai severo é interpretado pelo magnífico Christopher Lee como um conde Dooku da odontologia." (Eurico de Barros)